A Inclusão em debate

O dilema das escolas regulares e a permanência das Apaes no contexto da educação

Apae conta com uma equipe de profissionais capacitados para atender e assistir crianças com qualquer tipo de necessidade especial

Um assunto que vem sendo pauta nos últimos meses é a inclusão. De acordo com o Ministério da Educação, na perspectiva da educação inclusiva, o foco não é a deficiência do aluno, mas sim os espaços, os ambientes, os recursos que devem ser acessíveis e responder à especificidade de cada aluno. Ainda segundo as orientações do MEC, a acessibilidade dos materiais pedagógicos, arquitetônicos e nas comunicações, bem como o investimento no desenvolvimento profissional, criam condições que asseguram a participação dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, não cabendo ao aluno adaptar-se à escola tal como foi construída; a escola é que deve se reconstruir para atender toda a sua comunidade, da qual fazem parte pessoas com e sem deficiência.

O Ministério ressalta que são necessárias as adaptações nos espaços e nos recursos, mas principalmente uma mudança de atitude, que reflita a concepção de desenho universal, não só na estrutura física das escolas, mas no desenvolvimento das práticas de ensino e aprendizagem e nas relações humanas. 

APAEs 

Presidente da Apae, Mainard Tapes

Mainard Machado Tapes, presidente da Apae de Sant’Ana do Livramento, enfatizou não ser contra a inclusão, no entanto, receia o futuro das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes). A preocupação do presidente é com relação ao Projeto de Lei (PLC 103/2012), que trata do Plano Nacional de Educação (PNE), uma vez que ele contempla a possibilidade de substituição do trabalho das Apaes pelas escolas regulares, em sua Meta 4.

Mainard destacou que é imprescindível que a criança seja incluída dentro das possibilidades que cada uma apresenta. “Evidentemente que aqui, na Apae, nós tratamos de crianças com problemas mentais, não somente físicos”, ressaltou ele, ao explicar que uma criança com qualquer deficiência física pode acompanhar um aluno de escola regular, o único fator que deve ser levado em consideração é a acessibilidade. O que não acontece com uma criança com qualquer tipo de problema mental, que precisa, também, de atenção especial e capacitada.

Diretora da Escola, Simone Murilo

A Apae de Sant’Ana do Livramento possui 205 assistidos e 116 alunos que frequentam a Escola de Educação Especial Caio Cezar Beltrão Tettamanzy, da qual a Apae é a mantenedora. Para que a instituição possa ter esse grupo de alunos, recebe doações que subsidiam as despesas da entidade, além de convênios e projetos que auxiliam na vinda de verbas federais e estaduais. Segundo o presidente, todos os pais e familiares que procuram a Apae vêm procurando apoio e auxílio, não só pela questão da deficiência, mas também pela desestruturação familiar. “Nossas crianças e adolescentes advêm de um meio de extrema pobreza”, frisou Mainard.

Quando os assistidos chegam à Apae, são recebidos por uma psicóloga e uma assistente social, que fazem uma triagem para avaliar a situação particular de cada um – grau de dificuldades aliado à questão familiar.

Na instituição, as atividades iniciam com a estimulação precoce – ainda bebê – com uma pessoa técnica no assunto, e ao longo do tempo vão se desenvolvendo conjuntamente com o médico, e outros profissionais, para saber se essa criança tem condições de ingressar no mundo didático. “Esse cuidado que temos com cada criança exige tempo, além de muita atenção e dedicação, com profissionais e especialistas competentes e capacitados, o que não acontece em uma escola regular”, lembrou a diretora da escola mantida pela Apae, Simone Paulo Murilo.

SERVIÇOS DA APAE 

Sala equipada para fisioterapia e estimulação

De acordo com Mainard, a Apae/Livramento conta com os seguintes profissionais: fonoaudiólogo, médico pediatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, psicopedagoga, fisioterapeuta, além dos professores preparados para atender os alunos com deficiência. “Uma criança que frequente uma escola regular não tem todos os recursos oferecidos pela instituição. A família teria que dispor de tempo e recursos financeiros para oferecer à criança ou adolescente todas as especialidades que a Apae oferece”, ressaltou ele, completando, ainda, que não vê uma preocupação por parte dos órgãos públicos em oferecer às pessoas carentes todos os trabalhos desenvolvidos pelas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais. “Nós trabalhamos para que nossos alunos e assistidos sejam, de fato, incluídos, porém, com responsabilidade, dentro de um meio onde eles possam se sentir incluídos, não apenas absorvidos”, explicou o presidente. 

IDADE MENTAL X IDADE CRONOLÓGICA 

Sala de Estimulação precoce da Apae

Mainad explicou que uma das principais questões a ser observada é a idade mental de cada indivíduo com necessidades especiais, salientando que nesses casos não é a idade cronológica que tem que ser observada. “Tem casos em que o adolescente tem 15 ou 16 anos, mas na verdade estamos tratando com uma criança de oito anos”, analisou. Ele alertou, ainda, que um simples gesto de desatenção com o indivíduo ou de desamor com uma criança, podem causar um trauma. Até mesmo o jeito de falar tem de ser diferenciado. “Sabemos que, por exemplo, um autista, dependendo do grau de intensidade, precisa de uma atenção muito especial, pois alguns são, inclusive, agressivos. Enfim, o grau de deficiência tem que ser observado”, destacou a diretora.

“Temos que abrir uma janela de comunicação”

Segundo o presidente, a instituição tem excelentes profissionais, os quais podem avaliar e analisar com maior profundidade cada uma das crianças assistidas pela Apae. “Trabalhamos na tentativa de inserir todo o aluno em alguma atividade, mesmo que ele tenha sérias lesões cerebrais. Não nos damos por vencidos, temos que abrir uma janela de comunicação, é obrigação da instituição achar um meio de se comunicar com todos os alunos. Não importa o tempo que possa levar, qualquer avanço, por mínimo que seja, para nós, é uma vitória”, esclareceu.
Mainard destacou que a escola regular tem uma preocupação com o desenvolvimento cognitivo, de aprendizagem, no entanto, a Apae tem a pretensão de que a criança se desenvolva globalmente – na parte social, afetiva e também a cognitiva, além da física.

ESCOLAS ESTADUAIS A CAMINHO DA INCLUSÃO

Vera Virginia é ex-aluna da Apae e atual funcionária. A diretora Simone disse ter orgulho de Vera, pois ela venceu suas dificuldades e hoje é uma colaboradora exemplar

As escolas públicas estão se adequando para receber as crianças com necessidades especiais. De acordo com Meire Garagorry, coordenadora da 19ª CRE, as escolas da rede pública estadual são as instituições que mais incluem, pois todas elas têm salas de recursos, e as que ainda não têm já estão sendo encaminhados processos para abertura. “Nós temos, em quase todas as escolas, professores qualificados e com formação adequada para trabalhar com os incluídos”, ressaltou Meire. Ela destacou que, além das salas de recursos, ainda há as classes especiais, e que já existe um encaminhamento legal para que sejam transformadas em salas multifuncionais. “A sociedade entende que as classes especiais devem continuar, porém existe uma exigência do ministério para que as crianças com deficiência sejam incluídas no ensino regular”, explicou Meire.
Segundo a coordenadora, o Ministério entende que enquanto as crianças estiverem inseridas nas classes especiais elas não estão incluídas. Elas recebem atendimento na escola, mas não fazem parte das turmas e da seriação normal. A coordenadora explicou que existem muitas dificuldades, pois a aplicação da legislação muda concepções culturais, e ainda existem professores que resistem a atender essas crianças, e inclusive pelo fato de não terem recebido a formação adequada, se sentem sem condições e impotentes em conduzir um trabalho com alunos com deficiência. “Eu afirmo que as escolas da região da 19ª CRE estão prontas para receber essas crianças”, declarou ela.

José Luiz Damboriarena, médico pediatra, atende na Apae há muitos anos

“O grande desafio da inclusão é tratar os diferentes como iguais”

Meire frisou que a legislação prevê que o aluno tem que estar inserido no espaço de convivência social. Cada professor e cada instituição têm de levar em consideração a necessidade particular de cada criança. “Incluir essas crianças é fazer que elas sejam tratadas como todos os outros, o que é o grande desafio, e a escola deve estar aberta para isso”, frisou.

A ESCOLA
A Escola Dr. Élbio Silveira Gonçalves é uma das escolas estaduais de Sant’Ana do Livramento mais bem preparadas para receber os alunos com deficiência. “É um direito das crianças estarem dentro das salas de aula regular”, destacou a educadora especial da escola, Sandra Tobes. A instituição recebe alunos com Síndrome de Down, autistas, crianças com deficiência intelectual e ainda assiste uma adolescente com paralisia cerebral. A sala de recursos é um apoio ao trabalho realizado dentro da sala de aula, ajudando para que os alunos avancem no ensino regular. “Nós somos a acessibilidade para que essas crianças consigam acompanhar o ensino, dentro das potencialidades delas”, destacou a professora Sandra.

DEPOIMENTOS

Leila dos Santos Soares e Bruno, 15 anos, aluno da Apae

“Das três filhas que tenho, duas estão estudando na Escola mantida pela Apae. Minhas filhas eram matriculadas em escolas regulares, no entanto, não aprendiam as cores, a ler e a escrever, o que já deveriam ter aprendido, mas mesmo assim elas passavam de ano. Eu pensava: ‘Como minhas filhas podem passar de um ano para outro sem saber nada?’. A professora me disse que ela não poderia rodar as meninas, que mesmo sem terem sido alfabetizadas, elas passariam de ano. Matriculá-las na Apae foi a melhor coisa que eu poderia ter feito: elas desenvolveram notoriamente a cognição”, Sandra Cabreira, mãe de alunas da Apae.
“Pra mim, a Apae é fundamental. Já coloquei o Bruno em escola regular e ele não foi bem assistido. As professoras não têm formação para atender as crianças com necessidades especiais, e tem mais o fato de que dentro de uma sala de aula existem mais de 30 alunos, como vão dar a devida atenção que ele precisa? As professoras mesmo me diziam: ‘Mãe, não temos muito o que fazer pelo Bruno, pois ele tem um déficit na memória’. O Bruno vai fazer 15 anos, mas na idade neurológica ele tem 7”, Leila dos Santos Soares, mãe de Bruno, 15 anos.

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