Gasto público: da realeza à eficiente simplicidade

A austeridade é uma virtude muitas vezes desvirtuada no ambiente do debate político. Não deveria, exatamente por tratar-se de virtude. Tem a ver com o rigor no gasto público, o que passa longe de qualquer conotação ideológica. Não significa diminuir o papel do Estado e muito menos cortar investimentos em setores essenciais. É mais simples do que isso. Ser austero na gestão é combater o que é desnecessário, supérfluo, dispensável – tudo o que possa representar ostentação, exagero ou demasiado conforto.

O Brasil precisa recuperar o valor desse predicado. Nosso processo colonizatório constituiu um poder com contornos de realeza. Ao contrário de uma monarquia tradicional, constituída com naturalidade na cultura de um país, a nossa foi importada. Aportou aqui antes do povo que, só depois e com submissão, passou a formar o país. A nação acostumou-se a servir ao poder, e não o inverso. Esse caldo histórico gerou uma lógica patrimonialista que influencia até hoje alguns padrões de comportamento, confundindo o público e o privado.

A passagem do Papa Francisco pelo Rio de Janeiro faz pensar nesse sentido, inclusive sobre o exercício do poder no Brasil. As escolhas pessoais pautadas pela simplicidade, todas eivadas de uma evidente autenticidade do Pontífice, são lições para quem exerce cargos de representação – especialmente públicos e institucionais.

É preciso rever apegos, privilégios, concessões e benesses despropositadas a quem tem poder. Não significa prejudicar as prerrogativas de cada função e tampouco expor os agentes a perigo, mas fazer com que o ambiente político se incorpore de uma nova responsabilidade ética. Isso é austeridade. E envolve gestos e sinais de simplicidade, probidade e desapego ao excesso. Além de fazer o certo, comunicar o exemplo.

Ora, quem representa uma nação como o Brasil, ainda repleta de problemas sociais, não pode dar-se a certos luxos. Não pode destinar dinheiro público senão que apenas e tão-somente ao que é absolutamente necessário. Significa combater gastos ruins e revisar conceitos de tudo o que envolve o aparato dos cargos de representação: prédios grandiosos, assessores à disposição, carros e batedores, aviões para livre uso, utilização de verbas com inflexão particular e até mesmo aquela excessiva pompa com que o poder se comporta.

O setor público precisa ser enxuto e, ao mesmo tempo, eficiente. E, normalmente, um predicado tem ligação direta com o outro. Quando uma estrutura é muito complexa e grandiosa, tende a mover-se com a velocidade de um elefante. Quando é simples e afinada, tende a estar bem mais perto da eficiência. Para o povo, isso significa, especialmente, ter saúde, segurança e educação.

Quando governador, ao perceber as dificuldades em que se encontrava o caixa do Estado, repetia à minha equipe que precisávamos cuidar de cada centavo do dinheiro arrecadado. Qualquer cifra deveria ser usada com critério e resultado. Apesar de todas as dificuldades estruturais e das estiagens que o Rio Grande do Sul enfrentou naquele período, essa lógica permitiu que o Estado honrasse seus compromisse e ainda atraísse investimentos – dada a credibilidade da postura adotada.

Não invoco esse exemplo como paradigma. Sei que ele não é o único. Há diversas outras iniciativas bem-sucedidas que dialogam com esses novos padrões de gestão e de comportamento. Mas precisamos transformar esses esforços em regra. Formar opinião e exigir que o Brasil real – do povo simples – faça sentir-se nos palácios, parlamentos e repartições. Porque, para relembrar uma máxima sempre oportuna, nem tudo o que é legal necessariamente é moral.

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