Germano Rigotto

Escrevi aqui na newsletter, há poucos dias, que a luta pela reforma tributária precisa ser proporcional ou maior às forças que contra ela conspiram. Que uma mudança estrutural só conseguirá avançar pela insistência, persistência, unidade e permanente formação da opinião pública. É preciso conquistar aliados para aumentar a pressão. O mesmo receituário vale para o pacto federativo, absolutamente defasado para a realidade do país.

É um tema que, de saída, enfrenta o desafio da complexidade. Apesar de relevante, é uma pauta de meio, não de fim – motivo pelo qual passa despercebida. Trata da organização do Estado, não diretamente da execução dos serviços públicos. Não está, portanto, na boca do povo, no cotidiano das pessoas. Mas é esse pacto, materializado na Constituição e em alguns diplomas infraconstitucionais, que define a destinação dos tributos e as funções de cada ente federado. Trocando em miúdos: quem faz o que e de onde vem o dinheiro. Tudo passa por essa discussão.

Hoje, se não bastasse a verdade dos números, que demonstra a excessiva concentração de poder e recursos na União, a evidência dos fatos também é escandalosa. A União aumenta a arrecadação e consolida sua ascensão sobre o bolo tributário. Por outro lado, estados e principalmente municípios vivem uma situação financeira de absoluta penúria. Os prefeitos não conseguem fazer cinco ou seis quadras de asfalto com seus recursos próprios – e isso resume tudo. Dependem do beneplácito federal, seja diretamente do governo, seja de um parlamentar amigo.

Há muito tempo, o sentido da vida comunitária, que é a segunda célula da sociedade (depois da família), foi substituído por uma intervenção branca vinda de fora, lá do distante Planalto Central. Os programas já chegam prontos, engessados, repletos de peculiaridades que muitas vezes não combinam com a situação local. E há duas dramáticas opções para o gestor: enquadrar-se tanto quanto possível para receber alguns parcos recursos ou negar-se e ficar na míngua. Quase sempre a escolha é pela primeira alternativa, mais por estado de necessidade do que por convicção.

Na última semana, em Brasília, uma parte desse enredo se repetiu. Estava prevista a votação de um projeto que iria rever o índice sobre o qual são atualizadas as dívidas dos estados com a União. Embora não trouxesse resultados de curto prazo, a mudança iria repercutir no estoque da dívida e repor a justiça nos índices cobrados – que atualmente são superiores aos operados pelo próprio BNDES para a iniciativa privada. O Governo Federal cobra dos Estados em torno de 13% ao ano de juro (IGP-DI mais 6%), enquanto programas governamentais que defendemos, têm juros de 3,5% ao ano. Uma injustiça que o projeto procura corrigir. O governo, porém, na undécima hora, acionou uma manobra para retardar a apreciação da matéria. Resultado: os estados seguem sem uma perspectiva razoável para reposicionar esse passivo que, além de tecnicamente superado, sufoca a capacidade de investimento das unidades da Federação.

Esse mesmo episódio, porém, revelou uma estratégia que não pode ser abandonada: a da unidade – sobre a qual eu falei no começo desse texto. O governador, os senadores, os deputados e diversos líderes políticos e sociais esqueceram lados, partidos e ideologias em nome do interesse maior das populações de seus estados. É o que também tenho feito, a propósito, em todas as minhas participações no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Desde que ingressei no órgão, venho reivindicando, política e tecnicamente, a revisão das cláusulas contratuais que geraram a cobrança desse montante. Já fizera isso como deputado e governador. E criei uma organização para educar em favor das reformas, o Instituto Reformar. Ou seja: insistir, insistir e insistir – não há outro caminho.

O levante dos estados e Municípios não é contra a União. É contra a parte do Brasil que não se atualizou, que ficou preso a conceitos ultrapassados, que não fez repercutir nas leis a realidade que vai nas ruas. Esse caso da dívida é um exemplo do pernicioso grau de interferência que o ente maior exerce sobre os demais. Revela que a União nem sempre unifica a Federação, senão que a submete, a engessa, a limita. Quem tem consciência disso, deve continuar insistindo tanto na luta quanto na conquista de novos aliados. É uma causa decisiva para o novo Brasil que precisamos construir.

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