Fadiga de metais

Problemas na área econômica do país estão aparecendo em muitas frentes. No consumo, no câmbio, nas exportações, nos juros, na indústria, no baixo crescimento, na ameaça de inflação. Estamos muito longe do caos, mas, na mesma proporção, de uma situação confortável. Haverá uma poluição muito grande desse debate quanto mais próxima estiver a campanha eleitoral. Os dois campos, governo e oposição, tentarão construir uma retórica que levará a abordagem para um ou outro extremo. Mas o fato é que o clima não é positivo. Isso é inegável. E, assim como na nossa própria vida, os aspectos anímicos geram um efeito em cascata com potencial para prejudicar todas as áreas.
O que está acontecendo é que começamos a pagar o preço mais visível da falta das reformas estruturais. No meu último livro, Para Além do Berço Esplêndido,de 2011, apontei para esse perigo. A ausência dessas transformações não é algo que escandalize. É um dano de inação, não de ação – por isso mesmo, discreto e sorrateiro. Vai fazendo mal aos poucos e se alimenta do conformismo, do comodismo e da incapacidade de a nação colocar-se diante de problemas grandes e complexos. Não tem uma relação de causa e efeito explícita, logo não gera manchete de jornal. Algumas reformas necessárias não estiveram, nas últimas décadas, dentre as pautas prioritárias da nação.
Na mesma publicação, recuperei um pouco da história do Brasil para mostrar grandes avanços que foram conquistados pós-regime militar. Começamos pela solidificação da democracia, ingressamos na estabilidade econômica e depois conquistamos inegáveis melhorias sociais. São legados importantes, que transcendem gerações. Mas havia chegado a hora de readequar nossa Constituição para toda essa nova realidade social e econômica do país, especialmente no aspecto tributário, político e federativo. Num mundo repleto de transformações, na era da tecnologia da informação, nossa Carta Magna reflete uma realidade dos tempos da máquina de escrever. Se ainda é válida em seus princípios, já está por demais defasada em muitas de suas derivações práticas.
Apontei as inúmeras oportunidades perdidas para que as reformas pudessem ter acontecido. No segundo mandato de Fernando Henrique, eleito no primeiro turno e com grande apoio popular, as condições estavam dadas. Porém, o Executivo, que já havia feito reformas no campo econômico importantes no período anterior, desistiu de prosseguir nas mudanças, não liderando a revisão do Pacto Federativo e as reformas tributária e política. Houve certo enfado, depois refletido no revés de aprovação daquela gestão. Lula também poderia ter tocado as reformas, especialmente depois de reeleito. Navegava em mares calmos, tinha grande apoio parlamentar e social. Mas o ex-presidente, do mesmo modo, não as levou adiante. Veio a Presidente Dilma e, novamente, estas reformas não andaram.
Nesse período todo, tivemos tentativas importantes. Eu mesmo participei de diversas delas, especialmente como presidente da Comissão de Reforma Tributária da Câmara Federal, na liderança do governo e no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Chegamos bem perto em algumas oportunidades. Porém, a cena quase sempre se repetiu: na hora de bancar a decisão, o Executivo e o Legislativo se renderam diante das pressões, organizadas por grupos de interesses, para que elas não saíssem do papel. Uma ala conservadora, localizada na área econômica dos governos, especificamente no caso da reforma tributária, ajudou a emperrar qualquer mudança – por um medo injustificado de perda de receita e de poder. Esse e outros grupos comandaram o travamento.
Pois bem, agora os problemas dessa inação se fazem sentir no cotidiano. Esse cupim silencioso começou a dar amostras do seu estrago. No ambiente do mercado, os setores produtivos não conseguem aumentar a competitividade diante do concorrente externo. Produzir no Brasil é mais difícil, mais caro, mais burocrático. Medidas pontuais funcionaram por um tempo, mas agora não causam mais efeito. Na política, o esgotamento se desvelou nos protestos de junho, mas está presente no sentimento de frustração de quase todos os cidadãos. As pessoas querem mais do país, mas demonstram certa desesperança. Não se sentem representadas e descreem das instituições.
Falta reformar o Brasil, está cada dia mais claro. Falta, como propus no título da minha obra, ir para além do berço esplêndido. Falta encarar os pesados interesses que trancam essa pauta e fazer as reformas andarem. Sim, pois se a Presidência da República efetivamente quisesse, elas aconteceriam. Essa é a regra do jogo no nosso presidencialismo de coalizão. Mesmo equivocada, é ela que está em vigência. As grandes pautas da nação são dadas e conduzidas pelo Palácio do Planalto. Não faltou base parlamentar e arranjos políticos para os últimos presidentes. Todos tiveram seus méritos, mas não tocaram nesses pontos nevrálgicos para o futuro do país.
O ano de 2014, em termos de avanços estruturais, já está perdido. Teremos Copa e, depois, eleições. Não haverá pautas consistentes no Congresso Nacional. Vivemos um tempo de fadiga de metais. Nossas estruturas e nossas esperanças demonstram uma preocupante sofreguidão. Porém, de algo podemos ter certeza: as potencialidades do Brasil são largamente maiores do que seus problemas. Foi por isso que nunca desisti, e jamais desistirei, de falar e lutar pelas reformas. É preciso formar opinião nesse sentido, aumentando o coro e a consciência. O desafio para o momento está em encontrar a força necessária e o tempo adequado para que possamos sair desse nó. Entre as urgências e as possibilidades, precisaremos encontrar nosso caminho para desenhar os próximos passos.

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