O Brasil pede respostas estruturais

A presidente Dilma está reunindo prefeitos, governadores, ministros e líderes de grupos sociais. Falou em cadeia nacional de televisão. Alguns estados e municípios anunciaram a redução das tarifas de ônibus. O Congresso deu sinais de que pretende retomar projetos de alteração nas regras eleitorais. Uma série de movimentos políticos brotou desde que os levantes populares tomaram as ruas das cidades.

Temo, entretanto, que grande parte desses gestos esteja focada apenas em temas acessórios. Que o simbolismo de certas atitudes, muito mais do que algo objetivo, queira só conter a turba. Que o curto prazo e o calor dos fatos conduzam mudanças meramente paliativas e horizontais, quando precisamos de transformações profundas e verticais.

Mudou o tempo da resposta exigida pela sociedade. Essa é uma das grandes constatações visíveis de tudo isso que vem acontecendo. A população, mesmo aquela que não foi às ruas, cansou de esperar. Cansou de verbo e quer mais substantivo. Em vez de tanta palavra, fatos. Em vez de tanta retórica, realizações. Em vez de tantas delongas, solução. Em vez de tantos retardamentos, o ontem passa a ser tarde.

Além de ágeis, as respostas precisam ter qualidade. Esse é o ponto principal. Se não forem bem compreendidas as demandas dos brasileiros, equívocos poderão ser cometidos nos próximos dias. Ações de conjuntura, de perfumaria ou meramente pontuais não conterão a onda de insatisfação que cresce. Não se trata de uma disputa entre governo e oposição, mas de construir uma pauta que possa estar acima de interesses menores ou do olhar para a próxima eleição. Uma pauta que coloque o país numa verdadeira guerra – aí sim! – contra os nossos gargalos, combatendo as causas e não apenas os efeitos.

A pregação que tenho feito durante toda minha trajetória política nunca esteve tão em voga: o Brasil precisa de reformas estruturais. Não por elas mesmas, mas por tudo o que irão gerar de positivo no mundo real. Refiro-me a mexer no sistema tributário, que prejudica especialmente os pobres e os trabalhadores assalariados. Mexer no sistema político, que reproduz o fisiologismo e o clientelismo, além de induzir a corrupção e inibir a renovação. Mexer no pacto federativo, que concentra poder e recursos no governo federal, determinando o passeio do dinheiro público e seus respectivos desvios e provocando a má qualidade dos serviços públicos. Essas necessárias transformações têm tudo a ver om o que o povo quer: saúde, educação, segurança, infraestrutura, moralidade e transparência.

Um caminho viável para isso é a convocação de uma Constituinte exclusiva, outra tese que tenho defendido ardorosamente em minhas peregrinações país afora. Por sinal, creio ser esse o único caminho viável. Defendo que essa assembleia seja chamada para definir pautas específicas, especialmente as citadas acima, e que tenha prazo definido de um ano para conclusão de seu trabalho. Seus membros poderiam ser escolhidos em concomitância com as eleições de 2014. O eleitor votaria para eleger os congressistas ordinários e esses outros, de caráter extraordinário e temporal. Quem concorre numa, não pode concorrer noutra. Logo, haveria uma tendência em favor de nomes com maior densidade em conteúdo, mais independentes do interesse regional ou setorial.

Como o Congresso e esse grupo revisor atuariam em paralelo, sem interferências recíprocas, os constituintes não estariam preocupados com a próxima eleição, com as votações de governo e com os pleitos corporativos. A influência do Executivo, diferente do que ocorre hoje, deixaria de ser o condicionante mais importante. Eleita para tarefas predefinidas e com tempo fixo para cumpri-las, a Assembleia Constituinte necessariamente colocaria em marcha as reformas, tomando as decisões necessárias para isso. Além dos próprios partidos, os diferentes segmentos da sociedade poderiam mobilizar-se para compor um novo pacto constitucional.

Se o vandalismo não tomar conta do ambiente, a reação popular avançará para muito mais do que reuniões ou soluções de alcance pontual. Quem tem poder de decisão precisará descobrir aquela porção estadista que carrega consigo para responder a essa expectativa. O povo cobra do establishment, e não parece que se contentará com pouco. Trata-se de uma oportunidade para fazer avançar mudanças que realmente importam. E mudar o que precisa ser mudado, no tempo mais rápido possível e na qualidade adequada, é o que realmente vai conter essa onda de revolta.

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