Entre o civismo e o vandalismo

Os protestos que pululam em todo o país, e devem voltar a acontecer nos próximos dias, precisam ser analisados com prudência, racionalidade e equilíbrio.

Não se pode resumir o movimento tão-somente ao vandalismo que dele resultou. É injusto colocar no mesmo balaio de interpretação todos aqueles jovens que foram às ruas para apresentar suas reivindicações. Apesar da violência de alguns deles, havia ali pessoas bem-intencionadas.

Também não se pode desprezar o tamanho que esse movimento está tomando. Muito mais do que um fato isolado de uma ou outra capital, as manifestações ganharam as ruas de diversas cidades. O que bradam os protestadores já vai além da pauta das passagens. Parece haver um sentimento de frustração que precisa ser melhor averiguado por quem analisa a opinião pública.

Por outro lado, se há indício de bons propósitos por trás desse levante popular, é inevitável constatar o exagero de algumas atitudes. Depredar patrimônio público, por exemplo, é ato que não merece um milímetro de tolerância. Idem para o uso de bombas caseiras, a pichação de prédios, o trancamento de ruas, a quebra de vidros de lojas e o apedrejamento de ônibus. Dar margem a isso é derivar para o caos social. Nenhuma causa, por mais elevada que possa ser, justifica tais meios.

Esses atos acabam degradando o que há de positivo nas manifestações. Depõem contra os próprios manifestantes. O uso de máscaras para esconder o rosto já é um indício de duvidosas intenções. Os líderes dos grupos deveriam afastar os violentos e depredadores. De outro modo, tudo acabará virando um caso de polícia. E se a situação continuar do mesmo jeito, os exageros tendem a aumentar de parte a parte.

Por falar em exagero, o papel policial também precisa ser percebido corretamente. É plausível que, no meio de um conflito complexo, haja equívocos e até mesmo excessos por parte da força pública. Porém, algumas cenas indicam que, por diversas vezes, a repressão foi desproporcional à ação. Mas não se pode satanizar as polícias por causa disso. Que se apurem eventuais desvios, mas que se legitime o trabalho dos policiais.

Por fim, mais produtivo seria se esse levante popular adotasse causas que pudessem ir além de seus interesses imediatos. Refiro-me a pautas que tenham a ver com questões estruturais do país. Oxalá os protestos não se transformem em meras badernas. Ou em revoltas em torno de si mesmas.

Aqueles jovens que bradam pelas ruas e avenidas, quase nenhum deles aparentando miserabilidade, têm responsabilidade de buscar informações sobre bandeiras que realmente mudariam a realidade brasileira – gerando mais desenvolvimento econômico e social.

Convido-os, então, para protestar pela mudança do sistema tributário, que prejudica especialmente os pobres e os trabalhadores assalariados. Pela mudança no sistema político, que reproduz o fisiologismo e o clientelismo, induz a corrupção e inibe a renovação. Pela mudança do pacto federativo, que concentra poder e recursos no governo federal, determinando o crescente passeio do dinheiro público com seus desvios e a má qualidade dos serviços disponibilizados à população.

Nossa juventude esclarecida precisa tomar-se desse tipo de responsabilidade cívica. Estudar, compreender e dialogar sobre transformações reais e necessárias em um país emergente. Para um tempo que já dista da Guerra Fria, que superou enfados ideológicos, que conquistou o Estado Democrático de Direito e que não abdica da liberdade individual.

Não há problema que as ruas se tomem pela livre manifestação de grupos, sejam eles organizados ou independentes. Se desboroar, não passará de inconsequentes casos policiais. Mas a aspiração de toda a nação, mesmo daquela que não estará nos eventos, é de que essa onda de protestos seja ordeira, criativa, respeitadora. E que contemple mudanças realmente importantes. Se for nessa linha, poderá escrever um novo marco cívico.

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