Portos: o rescaldo pedagógico

A votação da MP dos Portos aconteceu na última semana. A matéria foi discutida e rediscutida. A briga entre governo e oposição, idem. Todavia, o episódio não é pauta vencida. Passados alguns dias e serenados os ânimos das disputas, é preciso analisar com mais calma o que se passou em nossa República durante esse processo. Trata-se de uma experiência que não pode acabar com o simples resultado do painel. Ela tem bem mais a evidenciar.
Acompanhamos a gritante demonstração de algumas das principais contradições das nossas instituições e dos seus sistemas. Tivemos grandes exemplos de tudo o que não devemos mais reproduzir em nosso cotidiano. O Brasil viu um desfile de mazelas que, mais do que pessoas ou governos, diz com o desenho das regras do jogo que comandam a nossa política.
A primeira aberração é o próprio instituto da medida provisória. Criado para ser usado em casos extremos, virou regra no cotidiano nacional. O Executivo, já sobejo em poder e recursos, sai a fazer um papel que não lhe pertence. Que fere o equilíbrio entre os poderes e usurpa a representatividade do parlamento. E não é algo de agora, senão que uma prática naturalizada há muitos governos – sem uma contundente reação do Legislativo.
Outra reiterada constatação: o Congresso não consegue responder, em uma velocidade plausível, às demandas da nação. Além disso, mais uma vez, o voto foi utilizado para viabilizar a liberação de emendas individuais. A falta de pudor chegou aos microfones, com pedidos explícitos de “carinho”. O clientelismo e o fisiologismo se revelaram em suas mais diferentes facetas.
A ação de lobistas também foi sentida, tanto que havia esforços para transformar a MP num monstrengo e inviabilizá-la. Não há nada de errado em exercer pressão, mas não pode ser de maneira sorrateira por quem tem interesse direto no negócio. Ficou claro, mais uma vez, que o Brasil precisa caminhar para uma regulamentação que ordene esse tipo de pressão, algo que já existe em diversos lugares do mundo.
O corporativismo foi outra força que se mostrou novamente. Não para postular legítimos direitos trabalhistas, mas para tentar passar certos privilégios absurdos em favor de categorias profissionais. Isso faz pensar sobre o sistema de votos no Brasil, que costuma dar vantagem a quem defende grupos corporativos ou econômicos.
A MP dos Portos colocava sobre a mesa do Congresso Nacional um tema importantíssimo, ligado a um dos principais gargalos da nossa infraestrutura. Porém, para além do seu mérito, evidenciou ainda mais nossos problemas institucionais e algumas lamentáveis posturas pessoais e políticas. O rescaldo disso tudo precisa ser pedagógico sobre o tipo de país que queremos – e não queremos – pela frente.

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