Concepções etapistas e setoriais de desenvolvimento

Quando se fala em desenvolvimento, entre as conhecidas ambiguidades na sua compreensão que, diga-se de passagem, precisam ser superadas, estão à concepção etapista, e o pensamento/ação essencialmente setorial.

A concepção etapista do desenvolvimento é aquela que fala dos patamares, dos estágios, das fases, etc. Degraus estes, os quais em seu fim ou topo estaria o sonhado desenvolvimento. Neste topo já teriam chegado justamente os países que são chamados “desenvolvidos”, sendo que os demais estariam em fases intermediárias ou “distantes” do desenvolvimento, sendo chamados de “em desenvolvimento” ou mesmo “subdesenvolvidos”.

Esta visão, automaticamente, cria a ideia de um caminho rumo a este topo, pelo qual andam (ou correm, ou engatinham) os países. Sendo UM caminho, surge a noção de que se deve seguir por ele e só ele é possível. Assim as estratégias de desenvolvimento ganham um caráter homogeneizador, desrespeitando as diferentes realidades nacionais, regionais e locais, históricas e geográficas, gerando todo tipo de impacto social nos âmbitos tanto da economia (concentração de renda e desigualdade), da política (submissão dos governos aos interesses corporativos) e da cultura (fragmentação das identidades locais, substituindo-as ou incorporando-as a uma cultura globalizada ligada unilateralmente ao consumo), além dos impactos ambientais.

Esta ideia, muitas vezes explica-se pela geração de empregos e pela melhoria das condições de vida material, mesmo que isso signifique algo efêmero e, de outro lado, indiferente a outros aspectos de fundamental importância, como a transfiguração/supressão dos ecossistemas, onde não só se produz e reproduz a vida, mas também, se desenvolvem os “modos de vida” e o patrimônio cultural dos povos.

Não raro, associado a esta noção de desenvolvimento, aparecem as ideias/propostas/ações essencialmente setoriais, agregando-se assim, em uma só, estas duas aberrações sobreviventes no século XXI, resultando em projetos que “endireitam as coisas de um lado e entortam de outro”. Surgem assim, frases como: “Para chegar ao nível dos países desenvolvidos temos de investir em tecnologia de ponta”. É explicitado neste caso, tanto o etapismo (quando se fala em “nível” dos países desenvolvidos) quanto à ênfase simplista em um setor, neste caso, o setor tecnológico, como se a tecnologia de ponta espalhada pelo Brasil fosse resolver tudo.

Isso se repete ainda com outras questões, as quais se desdobram em escala local. Por exemplo, alguém diz: “a bacia leiteira de Sant’Ana do Livramento está impulsionada, pois já foram adquiridos resfriadores para o leite”. Neste caso, em primeiro lugar, a razão de tudo parece ser a “bacia leiteira” (setor) e não os agricultores ou a comunidade. E, em segundo, os resfriadores parecem ser a solução para a tal bacia. Não se incluem aí estradas, crédito, assistência técnica, escolas e postos de saúde, além de mais uma infinidade de fatores, inclusive da subjetividade dos agricultores. Fatores estes que, se reivindicados, são logo despachados à responsabilidade de outras “pastas” especializadas em uma pequena coisa qualquer e sem comunicação com as demais.

Uma expressão disso está na própria organização dos ministérios e secretarias estaduais e municipais. Pergunta-se: o que explicaria (de forma convincente) a existência do ministério do desenvolvimento agrário paralelamente ao da agricultura, pecuária e abastecimento? Ou ainda, o que separa uma secretaria de planejamento de uma secretaria de desenvolvimento? E por aí vai.

Por outro lado, felizmente, já se trabalha muito em busca de alternativas. Uma delas, ganha cada vez maior destaque e operacionalidade em políticas de desenvolvimento: a que tem por base o conceito de território.

Em termos de esclarecimento prévio, o território, ao contrário do que se pensa comumente, não diz respeito somente ao espaço sob a soberania de um Estado-nação, podendo ser pensado em diversas escalas, por exemplo, desde o plano individual, até o de uma pequena comunidade espacialmente estabelecida, até níveis mais complexos como o do citado Estado-nação.

Nesta perspectiva, o território pode ser considerado uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e econômicas, identidades/culturas, e a relação homem/natureza (ecossistema local). Assim, ter este conceito como base teórico-conceitual, significa que ações pelo desenvolvimento devem pautar-se na consideração de cada um destes fatores em conjunto, considerando sua reciprocidade e interdependência.

A perspectiva territorial de desenvolvimento compreende, deste modo, um pensar em que se enquadram também com grande importância os termos local e endógeno, em um movimento de valorização dos lugares, em detrimento da “globalidade” desenraizada e desenraizadora.

Este é um dos caminhos que têm sido pensados em contraposição às tradicionais formas do chamado “progresso”, da “escada rumo ao patamar dos países desenvolvidos” e da compartimentalização do todo e a consequente especialização do pensamento, desdobrados normalmente em ações míopes.

Assim, ideias inovadoras (apesar de não serem tão novas, mas sim, renovadas) vão ganhando vulto e aplicação prática, abrindo caminho para o otimismo em relação à formas autônomas e, por isso, duradouras de desenvolvimento.

Felipe Leindecker Monteblanco
Mestrando em Geografia – UFRGS

 

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