O sistema único de saúde à deriva!

É espantoso que os governos – federal, estaduais e municipais – tratem a saúde pública – assim como a educação pública e o saneamento – com o evidente desprezo que dedicam a essas áreas. Isso que são governos – o federal, ao menos – que se dizem de “esquerda”. Imagina se fossem de direita. Como é sabido, o Rio Grande do Sul caracteriza-se por ser um dos estados que menos investe em saúde pública. Em 2013, o governador do Estado afirmou que o Estado colocaria os 12% previstos em lei no sistema de saúde público. Colocou? Não, colocou 8%. E ainda se jacta de ser de esquerda… Não é uma grande piada?
Um exemplo bem claro da falta de rumo da saúde pública é a construção de um pequeno hospital no Bairro Restinga, em Porto Alegre, pelo Hospital Moinhos de Vento, que já leva mais de 05 anos. O empreendimento tem custo de r$ 60 milhões e esse recurso financeiro é entregue pelo Ministério da Saúde ao referido hospital (Moinhos de Vento), instituição dita “filantrópica” na qual, ao que eu saiba, nenhum paciente do SUS atreveu-se a passar sequer nas proximidades. Importante salientar que o terreno onde está sendo construído o hospital é cedido pelo município. No entanto, para a construção de estádios para a Copa do Mundo já foram gastos algo em torno de r$ 34 bilhões de dinheiro público, as obras, salvo situações especiais, são realizadas em tempo curtíssimo.
Creio que é importante situar os leitores dos seguintes fatos:
1 – no Brasil, de 74 a 75% do Sistema de Saúde é privado ou privatizado – oscips, oss, fundações privadas – e, em nosso Estado, que se gaba de ser um dos mais avançados do país, 84% dos leitos hospitalares são privados. Sem falar em equipamentos para exames complementares – ecógrafos, ressonâncias magnéticas, tomógrafos etc, onde a proporção de equipamentos para o sistema privado é de 07 a 10 vezes maior do que para o sistema público.
2 – a cobertura da porta de entrada do sistema, que são as equipes do estratégia de saúde da família – que reputo como a parte mais importante do sistema – , em 2012 cobriam 40% da população, isso 25 anos depois de criado o SUS. O Ministério da Saúde preconiza uma cobertura de 80% da população. E, quando falamos em cobertura, falamos em resolutividade e qualidade. Não basta criar serviços se eles funcionam de uma forma precária, como acontece hoje.
3 – isso sem falar que temos, no Rio Grande do Sul, um laboratório farmacêutico do Estado – lafergs – que está totalmente paralisado há 15 anos. Isso é, não produz uma gota ou um comprimido dos medicamentos tão necessários à população.
4 – para que fique claro, 85% da população depende do Sistema Único de Saúde. Dizem que 25% da população brasileira utiliza planos privados de saúde. Provavelmente, 80% ou mais desses planos sejam os denominados planos “fura fila”, isso é, servem para colocar o paciente dentro do hospital e, lá dentro, os custos são pelo SUS. E, apesar de existir uma lei do ressarcimento – que obriga os planos privados a ressarcirem o SUS, quando seus filiados usam o sistema público –, sistematicamente os planos utilizam estratagemas de não ressarcir.
5 – é bom lembrar que a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 196 a 200, que tratam da saúde, afirma que a “a saúde é um direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” e também que“as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste”, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as “entidades filantrópicas” e as sem fins lucrativos. Todavia, nenhum desses direitos constitucionalmente assegurados são cumpridos, o que coloca a saúde pública a reboque de um sistema privado de saúde, contrariando frontalmente a constituição federal.
Como já afirmamos em outras oportunidades, a mudança necessária e urgente para que tenhamos um sistema público de saúde eficiente, equânime e qualificado, depende de um processo de mobilização do conjunto da população em busca do mesmo.
Lucio Barcelos – médico sanitarista

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