As contradições evidentes do pacto federativo

Na última newsletter, apontamos aqui duas das contradições do nosso sistema político, as quais costumam revelar-se com mais força em época de eleição, inclusive nas municipais. Falamos da excessiva quantidade de partidos e de uma modalidade de financiamento de campanha que expõe o candidato diante do poder econômico. 

Mas os problemas que um pleito eleitoral evidencia não terminam por aí. Esse período também é pedagógico para mostrar nossas desconformidades administrativas, o que só reforça a necessidade de reformar a Carta de 1988. Durante a campanha que está iniciando, basta observar: ficará nítida a posição desprestigiada dos municípios na configuração do pacto federativo.

 

Todos os prefeitos sabem desta verdade: hoje, os entes municipais são dependentes de Brasília para quase tudo que tenha maior relevância. É difícil que um município consiga fazer sozinho, por exemplo, uma grande obra. Tampouco uma praça, alguns quilômetros de pavimentação, um posto de saúde. Quase tudo depende de uma peregrinação que se repete diariamente pelos corredores de Brasília. 

E não são os prefeitos que estão errados. Pelo contrário: essa luta política é a alternativa que lhes resta para ampliar um caixa que se destina tão-somente à gestão do cotidiano. A regra do jogo, portanto, exige que ajam desse modo. A prioridade se divide entre governar e fazer ginástica política em favor dos interesses de seus cidadãos. Para onde quer que pretenda caminhar, se envolver um projeto maior, o gestor dependerá desse apoio vindo de fora. 

Isso evidencia que a União concentra uma excessiva parcela do bolo tributário, o que se dá em detrimento das comunidades. O dinheiro dos impostos é arrecadado nas cidades, migra para o poder central e depois retorna pelas mãos de um favor político. E costuma ser recebido com fogos e banda de música, como se o Executivo federal estivesse fazendo uma concessão, dando um presente. Nada mais faz do que devolver parte do imposto que ali mesmo, no chão municipal, foi gerado e arrecadado. 

Não se trata de um problema deste governo, mas da configuração do nosso pacto federativo. Isso tem a ver com as funções de cada ente e das respectivas fontes de financiamento para suas tarefas. No Brasil, infelizmente, vivemos uma contradição. Apesar de sermos uma federação, o que pressupõe a descentralização de poder e recursos, temos o oposto: concentração. Ora o ordenamento beneficia a União em excesso, ora deixa lacunas sobre as responsabilidades. A partir disso, ocorre sobreposição de funções, gastos desnecessários e transferência de culpa. O povo, especialmente o mais pobre, paga a conta através de um serviço público insuficiente e de baixa qualidade. 

A eleição desnudará tudo isso, implícita ou explicitamente. A carência dos municípios em atender pleitos essenciais ficará evidente. A necessidade de tudo financiar, de buscar empréstimos, de correr atrás de recursos, de depender de concessões federais e outras tantas amarrações serão a linguagem subliminar de cada um dos projetos que não saíram do papel. Claro que isso não justifica eventual incompetência, mas revela quão ainda estamos distantes de um sistema que combine com a própria organização social do Brasil. 

Nossas comunidades são fortes, de sul a norte. É ali que a vida se dá, que os filhos vão à escola, as famílias precisam do posto de saúde, buscam um lazer e querem morar com dignidade. Ter condições de higiene, saneamento e acessibilidade. É ali, portanto, que os problemas precisam ser resolvidos, sem passeio de recursos, sem transferência de responsabilidades, sem idas e vindas burocráticas. E o vereador e o prefeito são os representantes que mais conhecem essas circunstâncias. 

Tudo isso pode ser revisto através de uma Constituinte exclusiva, única forma atualmente viável para mudar esse quadro. Defendo que essa assembleia seja criada para definir pautas específicas – especialmente a reforma política, a reforma tributária e a revisão do pacto federativo – e com prazo definido de um ano para conclusão de seu trabalho. 

Então, é preciso votar bem – de modo a escolher bons gestores, que sejam competentes e éticos. Mas também é preciso tomar consciência de que a bandeira do municipalismo, em favor de um novo pacto federativo, deve ser compromisso superior à eleição e às disputas locais. E a Constituinte exclusiva é o caminho mais plausível para fazer valer esse justo anseio das nossas comunidades.

 

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