Lições de um mestre do jornalismo

Gay Talese, 80 anos de idade, é um dos nomes mais importantes do chamado “new journalism” (novo jornalismo), ou jornalismo literário, quando a reportagem se vale de técnicas da ficção. Na verdade, ele praticamente criou essa face nova da forma de fazer jornal.

Elegante, vestindo colete e com um chapéu branco – em casa, tem mais de trinta modelos – esteve há pouco no Brasil, participando do Congresso Internacional Cult de Jornalismo Cultural.

O autor de “O Reino e o Poder” e “Honra teu Pai”, entre outros títulos, deixou belas lições para os jovens jornalistas ou aqueles que pretendem trilhar pelos caminhos do “new journalism”.

Primeiro: Talese não usa notebook, celular ou tablet. Nem e-mail. Leva nos bolsos pequenos cartões nos quais rabisca notas sobre o que viu e ouviu. E não costuma fazer essas anotações enquanto o entrevistado fala.

Afirmou ter aprendido isso com a família.

A mãe era proprietária de uma loja de vestidos e o pai alfaiate:

- Aprendi com minha mãe: deixe as pessoas falarem, não as interrompa. Com meu pai: o que é feito à mão é melhor que o feito com a máquina.

Ele pode ter usado um recurso literário para explicar seu método de trabalho, mas é certo que a prática da entrevista revela essa lição: é essencial, sim, não inibir o entrevistado com gravadores e outros dispositivos eletrônicos. Não são todos que enfrentam com serenidade uma gravação. A experiência mostra que a grande maioria fica à vontade se o entrevistador estiver apenas ouvindo, sem anotações e gravadores.

Segundo: Talese diz que não há razão para as queixas dos jovens jornalistas pela falta de emprego na área. E ensina, em resumo, que é preciso ir à luta, nunca foi fácil ingressar. No seu caso, ele buscava sanduíches para o pessoal da redação. “Era o jeito de entrar”.

Não é mesmo fácil. Recordo meu primeiro contato com Josué Guimarães, redator-chefe do Diário de Notícias, no ano de 1960. Junto com Fúlvio Bastos, chefe de reportagem e outro grande nome do jornalismo gaúcho, Josué comandava a redação.

Chegado havia pouco do interior, com 18 anos recém feitos, recebi dele uma recomendação: primeiro conheça Porto Alegre, só depois disso venha fazer testes.

Foi o que fiz: nos fins de semana, longe do emprego e da faculdade, dedicava-me a longas viagens de bonde que me levaram a todos os bairros e recantos de Porto Alegre.

Mas a fase de testes só aconteceu quando o jornal fez uma reformulação de seus quadros, com a chegada de Nelson Dimas Filho. Passei pelo calvário de todo “foca”: a cobertura de assuntos de menor interesse, como as comemorações do Dia da Árvore e o jubileu do clube social. Não desisti nunca.

Por fim, sobre o jornal impresso, diz Talese:

- Não acredito que vá acabar. Mas tem que ser de boa qualidade. Bons textos vão sobreviver porque são bons.

É isso: jornal se faz com talento e coração.

Celito De Grandi
celitodg@terra.com.br

 

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