Constituinte exclusiva: o caminho possível

Estamos entrando em mais um período eleitoral. E, dadas as configurações do nosso sistema político, é possível ter uma certeza: o debate de questões nacionais, especialmente aquelas estruturais, sairão do horizonte. Ou melhor: sairão definitivamente, isso porque, mesmo até aqui, pouco estiveram no centro das atenções. Mais: a pauta do Congresso Nacional passará a ser meramente burocrática, voltada aos interesses mais imediatos do Executivo. Os parlamentares estarão apoiando os candidatos de suas regiões. A cobertura da imprensa voltará seu pendor, quase que com exclusividade, para a disputa municipal – e não sem justificada razão, pois é só nesse terreno que os fatos estarão acontecendo.

Essa circunstância, em si mesma, já revela um grande defeito institucional do nosso país. A eleição é uma paralisia nacional com data marcada. A cada dois anos, a história se repete. Infelizmente, o país congela seu andamento em virtude do processo eleitoral. Trata-se de um problema de ordem estrutural, que tem a ver com a forma através da qual deputados e senadores são eleitos, com o financiamento de campanha, com o desenho do pacto federativo, com a dependência de prefeitos por verbas federais e com uma série de aspectos que dizem respeito às regras do nosso jogo político.

Não podemos nos iludir, portanto. Nem a reforma política, nem a reforma tributária, tampouco a revisão do pacto federativo irão ocorrer dentro das atuais configurações institucionais de que dispomos. Muito menos num período eleitoral. Os parlamentares – de ontem, hoje e amanhã – são beneficiários das normas postas. Obtiveram vitória nas urnas através dessa regra do jogo. E muitos provêm de grupos de interesses que seriam atingidos diretamente por eventuais mudanças. Por mais que todos reconheçam as contradições existentes, o pragmatismo e a zona de conforto em que se encontram não permitirá que algo de significativo avance.

Em relação à reforma tributária, matéria que tenho acompanhado de perto há diversos anos, a situação não é muito diferente. Nesse período todo, até vi sinais esparsos de que um projeto de mudança poderia surgir. Estudos relevantes foram feitos, dois dos quais coordenei, primeiro na Câmara Federal e depois no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Porém, nada foi adiante. As sinalizações políticas não passaram de fogo de palha. Ora tudo morreu por falta de empenho do Executivo, ora por comodismo do Legislativo, ora por falta de acordo entre governadores, ora por confrontos entre diferentes grupos de pressão. Postulações transversas se chocaram. E tudo ficou como está.

É diante de tais constatações que venho defendendo a proposta de convocação de uma Constituinte exclusiva. A cada dia reforço a certeza de que essa possibilidade viria totalmente ao encontro dos interesses nacionais. Não os retóricos, mas os verdadeiros. Defendo que essa assembleia seja convocada para definir pautas específicas – especialmente a reforma política, reforma tributária e revisão do pacto federativo – e com prazo definido de um ano para conclusão de seu trabalho. Seus membros poderiam ser escolhidos em concomitância com as eleições de 2014. O eleitor votaria para eleger os congressistas ordinários e esses outros, de caráter extraordinário e temporal. Quem concorre numa, não pode concorrer noutra. Logo, haveria uma tendência em favor de nomes com maior densidade em conteúdo, mais independentes do interesse regional ou setorial.

Como o Congresso e esse grupo revisor atuariam em paralelo, sem interferências recíprocas, os constituintes não estariam preocupados com a próxima eleição, com as votações de governo e com os pleitos corporativos. A influência do Executivo, diferente do que ocorre hoje, deixaria de ser o condicionante mais importante. Eleita para tarefas predefinidas e com tempo fixo para cumpri-las, a Assembleia Constituinte necessariamente colocaria em marcha as reformas, tomando as decisões necessárias para isso. Além dos próprios partidos, os diferentes segmentos da sociedade poderiam mobilizar-se para compor um novo pacto constitucional.

Afora essa solução – que pode não ser a ideal, mas parece ser a possível –, dificilmente conseguiremos presenciar os avanços tão desejados para impulsionar ainda mais o Brasil em seu atual estágio de ascensão econômica e social. Não a nossa geração, quiçá a dos nossos filhos e netos – o que seria uma lástima diante da história. Tornar o sistema político mais barato e transparente, simplificar o sistema tributário e equilibrar o pacto federativo são três linhas de mudança que potencializariam a capacidade brasileira de progredir ainda mais, com crescimento e inclusão. Nossa Constituição, afinal, precisa adquirir a cara deste novo país que os brasileiros tanto almejam. Por mais que pareça improvável, não podemos deixar de perseguir esse propósito. E a Constituinte exclusiva é a alternativa melhor e mais objetiva para encurtar o caminho e fazer acontecer.

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