O Mercosul no Paraguai: a soberba progressista

Receio que este artigo desmereça o rótulo de progressista, mas tenho a clara convicção de que as sanções impostas ao Paraguai representam a mais censurável e manifesta contrariedade aos princípios básicos do Direito Internacional.

Logo de anunciada a destituição de Fernando Lugo como presidente do Paraguai, e da imediata investidura do novo presidente as ações do Parlamento Paraguaio eram qualificadas: como intolerável crise da democracia, retrocesso histórico, e, “golpe de estado”. Sem descartar estas afirmações provenientes de países cujas relações com a democracia são, na verdade meramente acidentais. Parece momento oportuno para discutir o assunto.

Em certo sentido é até compreensível que uma democracia como a paraguaia, que na sua biografia não goza do melhor prestigio, seus atos no terreno político (embora cercados de legalidade) possam desmerecer a etiqueta de legitimidade. Contudo, da analise isenta do Juízo Político a que foi submetido o ex-presidente é inquestionável a licitude constitucional do rito que permitiu seu afastamento. A Constituição do Paraguai estabelece: que o Presidente da República poderá ser submetido a Juízo Político, e, pelo voto qualificado da Câmara dos Deputados, e, logo do Senado, ser afastado do cargo. Foi o que aconteceu. Esta é a ordem interna e internacional que merece consideração e respeito.

As maiorias exigíveis, e necessárias foram amplamente superadas no impeachment de Fernando Lugo. O 96% dos deputados e 90% dos senadores apoiaram a destituição do presidente, o que revela o altíssimo nível de consenso político alcançado. Ratificado ainda pelos principiais atores da vida civil, incluída a própria Igreja Católica da qual o ex-presidente é oriundo.

Há evidentemente nesta esmagadora maioria, uma evidente saturação com o estado deletério de um governo que, com rara unanimidade, congrega todos os partidos políticos. Vale dizer também, que a decisão parlamentar neste caso foi avalizada pela categórica e expressiva decisão da Corte Suprema de Justiça do Paraguai que, se vacilar, respaldou: por “lícito, legitimo e constitucional” o ato pronunciado pelo Poder Legislativo.

É bom lembrar que o desprestigio e contradições do ex-presidente não é um episódio recente. Logo no inicio de seu mandato a opinião pública nacional e internacional era surpreendida por uma pletora de ações judiciais no foro da Infância e Juventude à qual o ex-bispo era chamado para o reconhecimento forçoso, e paternidade irresponsável. O que resultou no reconhecimento de Guillermo Armindo seu filho, e a paternidade de outros tantos.

Por fim, deve recordar-se que o processo de impeachment originou-se num gravíssimo e sangrento episódio: a morte de 17 pessoas durante um enfrentamento entre camponeses e policiais pelo despejo de terras ocupadas.

São os alicerce da vida pregressa e militante de um presidente que se impõem, e que pela sua desastrosa gestão rompem o pacto de confiança firmado com o eleitor, o mandato, e a democracia.

Nos regimes democráticos e assim no Paraguai (também no Brasil, Argentina e Uruguai) as atribuições do Presidente são limitativamente enumeradas. As atribuições do Presidente da República não são indefinidas, nem ilimitadas. A responsabilidade por seus atos é capítulo de acusação a ser julgado em Juízo Político pelo Parlamento, e pela Justiça. Essa é a regra.

A invocação da Cláusula Democrática do MERCOSUL, não se trata de instrumento a serviço de um determinado governo, ou ideologia, embora também possa servi-los. Inclui, por obvio, a preservação das liberdades essenciais à democracia: o voto, a cidadania, a liberdade de pensamento de informação, e de imprensa etc. Estas sim, deveriam ser questionadas e observadas internacionalmente a alguns dos governos que agora exigem.

A frágil democracia paraguaia dificilmente possa prosperar atropelada em suas decisões domésticas por intromissões externas, fruto na maioria dos casos de uma visão parcial, retorcida por ingredientes ideológicos ou interesses internos de alguns países que, no fundo, escondem nestas sanções impostas ao Paraguai suas próprias deficiências em lidar com os princípios e as regras da verdadeira democracia.

Leonardo Araújo Abimorad
Prof. de Direito Internacional

 

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