Os perigosos caminhos argentinos

Apesar da latinidade comum, Brasil e Argentina são diferentes em algumas de suas características mais arraigadas. Territorialmente maior, nosso país possui uma identidade plural, complexa e multifacetária. Já os hermanos, até por viverem num espaço menor, são mais homogêneos e equiparáveis. Comungamos semelhanças que são naturais a quem vizinha, mas somos indiscutivelmente diferentes – nem melhores tampouco piores.

Mesmo assim, por vezes, a história dos dois países ocorreu de maneira paralela. Em tempos não tão distantes, o populismo e o regime militar foram experimentados por ambos. São duas democracias jovens, cujas instituições ainda estão em desenvolvimento. E na economia, ocasionalmente, as similitudes também aparecem – quando as duas nações, por exemplo, acusam o reflexo de crises externas, como a que está em curso. Numa realidade que não permite ilhas de isolamento, vizinhos são atingidos com a mesma intensidade.

Porém, há cerca de vinte anos, os dois países passaram a trilhar rumos bem díspares, sobretudo no que concerne à gestão econômica. O Brasil tratou de resgatar a credibilidade do setor financeiro e regular esse mercado, criou marcos muito claros, combateu a inflação, aprimorou uma cultura de respeito aos contratos, abriu-se para o comércio internacional, superou nacionalismos exacerbados e fortaleceu o mercado interno. Mudaram os governos, mas o norte permaneceu. Já a Argentina, é fácil concluir, até hoje não encontrou um caminho maduro a seguir no campo econômico. E, dia após dia, bate cabeça para asfaltar sua estabilidade.

Apesar de alguns acertos havidos nos últimos anos, são muitos os equívocos e as práticas antiquadas ante os padrões atualmente desejáveis. Basta ver o histórico mais presente. O calote da dívida, adotado em mais de uma oportunidade, é uma amostra disso. O câmbio fixo, praticado durante algum tempo, sucateou a indústria nacional. O protecionismo já motivou uma denúncia contra o país na Organização Mundial do Comércio (OMC). Há pouco mais de um mês, em abril, a estatização da petrolífera YPF ajudou a alimentar a incredulidade de potenciais investidores. Por mais que houvesse motivos para a intervenção, houve excesso na forma: a expulsão de executivos espanhóis do prédio da empresa em poucos minutos soou como um novo arroubo de populismo nacionalista.

Tudo isso não é fruto do acaso. Para haver tal condução no terreno da economia, claro que há desvirtuamentos paralelos ou anteriores no campo político e até mesmo cultural. Não é por outro motivo que lá, bem mais do que aqui, o culto à personalidade continua inspirando boa parte das práticas eleitorais. Só que, assim como na vida, também nas relações internacionais há implicações inevitáveis entre povos que fazem divisa. Em vista disso, é sempre melhor e mais seguro ter um parceiro que construa um colchão de maturidade e credibilidade no trato das finanças, seja para dentro, em direção ao próprio povo, seja para fora, em direção ao mundo.

A julgar pelas últimas notícias e decisões, não há como traçar um prognóstico tão otimista em relação à Argentina. Mas tomara que as mentalidades mudem a tempo de não vermos aumentar o volume e a quantidade de panelas batendo pelas ruas de Buenos Aires. Até porque, inevitavelmente, também pagaremos esse preço – nós e os demais integrantes do Mercosul.

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