O cansaço dos bons

A moça trabalhava com os pobres em uma favela. Para melhor continuar fazendo o que já fazia, resolveu ser policial. Lutava contra a corrupção dentro da polícia e dentro da favela, isso tudo em favor das pessoas da comunidade. Depois de anos de trabalho, cansou. O rapaz também trabalhava na favela, com a moça que se tornou policial. Ele escolheu sociologia. Estudou muito, publicou pesquisas, continuou trabalhando na favela. Depois de anos de trabalho, cansou. O “cansaço dos bons” é o cansaço dos que trabalham por causas sociais, via sociologia, psicologia, jornalismo, segurança pública, educação, políticas públicas. A causa é boa, mas cansa, ou pode cansar.

Recentemente, ouvi uma palestra de Roberto Almada, psiquiatra argentino, e li o que escreveu em seu site sobre o burn out, esgotamento profissional dos que se dedicam a causas sociais, pessoas que escolheram uma profissão como sendo também uma espécie de missão social. Esgotamento profissional de quem vive voltado para o social e seus conflitos cotidianos, dos que entraram no mundo do trabalho social para mudar o mundo. Estudaram, e muito, para mudar o mundo. Trabalharam, e muito, para mudar o mundo.

O problema é que, com o tempo, o trabalho continuava, mas o mundo parecia não mudar muito não. O que aumentava era o cansaço por dentro e por fora, “o cansaço dos bons”. E aqui entra o que Almada, citando alguns autores, chamou de “crise do realismo”, encontro até meio dramático com os próprios limites e com os escassos resultados. Descoberta dos limites das mudanças e da impotência dos sujeitos engajados em processos práticos de mudanças. Crise psicopolítica caracterizada pelo contato cru com os próprios limites. De tal crise pode-se sair desencantado, desanimado. “Bem, fomos enganados pelos nossos próprios ideais. Foi tudo uma ilusão”, pode-se concluir.

O que fazer? Pergunta que sempre volta em tantas situações. Tal crise ensina talvez que seja o momento de investir mais nas relações, superar a agitação interior, diminuir a quantidade de atividades, melhorar a qualidade do que se faz e, sobretudo, reconhecer o óbvio, que não somos Deus, que podemos fazer alguma coisa, mas não tudo.

Crise é crise, sempre dói, também quando descobrimos que somos mais formiga do que águia. A verdade dói, mas, também, liberta, fornece esperança, alegra. Uma formiga, pequena, fraca, mas feliz. Assim, com outras formigas, pode-se fazer alguma coisa. O poder das formigas está na unidade e no rumo: elas sabem o que querem, onde querem chegar, e agem juntas.

Ter um rumo coletivo compartilhado talvez seja uma necessidade. Quem fica sem rumo acaba se tornando niilista, talvez até sem saber o que isso seja. Um “ismo” bom é capaz de nos animar, de nos empolgar. Em meio a tanta corrupção, porcaria, com a sujeira dizendo que vai limpar o mal lavado, um ismo bom pode devolver a esperança, a vontade de lutar.

Pode ser um “ismo” antigo, como o cristianismo, mas precisa que seja com uma interpretação renovada, adaptada às exigências de hoje…

Fábio Régio Bento – sociólogo

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