Judicialização: amargo remédio da omissão

O Brasil vive, não é de hoje, o fenômeno da judicialização da política: questões que deveriam ser normatizadas nas instituições representativas da sociedade, especialmente no Legislativo, acabam transferidas para o Poder Judiciário. Isso normalmente ocorre por omissão do próprio Parlamento, que dá as costas para certas pautas públicas e permite o surgimento de lacunas legais. Acionados pela população, juízes precisam resolver casos concretos e, por vias inversas, passam a legislar – numa flagrante inversão do nosso sistema positivista. O direito onde a jurisprudência é preponderante, como no caso do common law, se legitima através de juízes eleitos. E essa não é a lógica da nossa organização democrática.

Contudo, se é verdade que ao Judiciário não caberia legislar, o fato é que, quando o faz, muitas vezes acaba suprindo alguns vácuos e resolvendo pendências históricas que os parlamentares já poderiam ter sanado. É uma contradição que acaba gerando efeitos positivos em situações específicas. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, envolvendo benefícios fiscais relativos ao ICMS, se encaixa nesse caso. O colegiado declarou inconstitucionais leis e decretos – de seis estados e do Distrito Federal – que concediam incentivos a determinadas empresas. O STF deixou claro que os entes estaduais não podem outorgar tais vantagens de modo individual, senão que através de convênios firmados de forma unânime pelo Conselho Nacional de Política Fazendária [Confaz]. É um julgamento que tende a alterar o quadro da guerra fiscal, arrefecendo uma disputa que atualmente ocorre sem definição de regras e parâmetros.

Isso não significa que a isenção de incentivos fiscais deva terminar. Essa alternativa tem sido uma ferramenta relevante, por exemplo, no combate às desigualdades regionais. E possui potencial para ser ainda mais. O que não pode é haver zonas de sombras, como hoje acontece. É possível criar uma modalidade, dentro dos orçamentos públicos, que indique uma margem limítrofe para atrair investimentos, envolvendo não só tributos, mas também metas de infraestrutura, logística e formação de mão de obra. Está evidente, além disso, a necessidade de disciplinar os incentivos que perpassam governos, de modo a gerar segurança jurídica para quem empreende e para o próprio governante. Por outro lado, é preciso ter regras claras de contrapartida e de ressarcimento em caso de descumprimento contratual por parte do beneficiário.

Mudanças no nosso sistema tributário nacional é que deveriam pontuar esse equilíbrio, mas a inércia do Executivo e do Legislativo acabou fazendo com que o Judiciário interviesse. Mesmo mal: apesar de ser uma discrepância em termos formais, a decisão tenderá a acelerar a busca de soluções para a guerra fiscal. Ao julgar 14 ações sobre esse tema, o STF firmou um entendimento que vai repetir-se nas diversas demandas judiciais que se acumulam com o mesmo objeto. No lugar de judicializar a política, porém, o ideal seria que cada poder constituído, em vez de omitir-se, fizesse o que lhe compete.

Notícias Relacionadas

Os comentários são moderados. Para serem aceitos o cadastro do usuário deve estar completo. Não serão publicados textos ofensivos. A empresa jornalística não se responsabiliza pelas manifestações dos internautas.

Deixe uma resposta

Você deve estar Logando para postar um comentário.