A beleza da resteva

A poesia é, por óbvio, sublime produção do poeta, cúmplice, todavia, de quem não o é, até porque, estes últimos, como eu, formam o conjunto majoritário de seus destinatários, que dela se apropriam no salutar e aprazivel proveito de sua leitura. Como tal, acabo de ler a obra de Getúlio Elwanger Neves, intitulada “RESTEVA” (Editora Movimento e divulgada pela nossa Marco Zero), a cujo lançamento, no mês findo, presenciei.

Amigo do médico e poeta, de longa data admiro sua personalidade e testemunho sua cultura, apreciando, particularmente, seu estilo de escrever e capacidade poética, sem, contudo, deixar de assinalar que de certa forma, subjetivamente, está sempre a me surpreender quando sua aparência e forma de ser, na maior parte das vezes – certamente por discrição e sobriedade de formação – não enseja a imediata constatação do silencioso e entranhado romantismo que existe nas profundezas de suas veias.

Afora outras interessantes composições editadas e publicadas, se, antes e a meu sentir, a ‘Ira do Silêncio’ já aguçava o poeta que nascia dentro de si, RESTEVA é obra que acaba por consolidar plenamente o seu claro, copioso e manifesto amadurecimento poético, descortinando uma poesia que se desnuda, eventualmente, forte sem perder jamais sua marcante suavidade, despojada de preconceitos ao retratar o cotidiano, dito e exibido através de poemas que, sem intermitências, se integram e se concatenam com naturalidade, permitindo divisar agradavelmente no Poeta o conteudo alveolar que em seu interior pessoal guarda a inspiração e o encantamento de seus versos.

Assim, RESTEVA se mostra sedutora e cativante, anunciando, já em seu despontar, o ramo verde de versos conduzidos pelos pombos, estes – em sua ‘Menina da minha rua’ – descritos sob a doce ilusão de “que não envelhecem, mas continuam grisalhos”, para, “Depois do Alvorecer”, fazer o amor deslizar, estimulado pelo instinto da amada em sua migração, “cópia das tuas mãos”, história que “no futuro escreveremos juntos”, sem deixar ternamente de alertar aqueles que não acreditam no amor ante a possivel “falência de suas certezas”, pois, “para lembrar um grande amor não bastam a despedida, o adeus, o velho lenço, as mãos geladas que as nossas afastam, a hora sombria e o seu momento tenso”, acrescentando, após, na ‘Alegria de viver juntos’, o seu gosto de “acostar a cada hora do homem uma alegria, a cada palavra um gesto de paz, a cada despedida um aceno de regresso, animando os passos dos apoucados de fé, e provocando o coração como abrigo daqueles que a vida abraçou pela metade”, observando, também, que “não importa a safra, idade, cor, silêncios em que no seu leito de carvalho matura, o vinho dependerá sempre, não da toalha ou do copo em que o serves, mas da mulher que te acompanha”. Os versos continuam abrangendo os pagos, a praça de sua cidade, o Colégio Santanense e os filhos em seus primeiros dias de aula, o nosso interior agreste e a antiga estação de Palomas, os cemitérios de campanha, a zona antiga que continua a mesma, priorizando, por outro lado, a procura por “uma mulher de amplos seios, coxas roliças, ancas vigorosas, uma mulher que diga nomes feios, sem o falso pudor das melindrosas” e, “que gema e sue, não sufoque o grito, pois no momento de ficar sem fala é de mulher assim que necessito”. Não oculta, ainda, sua esmerada sensibilidade e humanismo quando aconselha “conviver com os cegos para compreenderes os teus olhos quando eles começarem a perder luz; praticar com os surdos para quando os teus ouvidos só escutarem os tons amargos; entender os mudos quando tua boca só guardar o gosto do silêncio, e, aprender a sorrir, agora, quando teu carinho não for apenas a asperezas de tuas mãos”, para quase colimar com uma ode à vida, versejando sobre a vocação da montanha para a majestade, a afirmação de que “o homem é feito de módulos substituiveis não mais por blocos monolíticos”, de sorte a fazer descartável a própria verdade, revelando ao poetar que “o pássaro jorra cântaros equilibrando-se no varal dos ventos, e o orvalho é a noite descosturada semeada no dia”, pois, afinal, “não te impacientes se tiveres de balizar o amor com as secas hastes dos nossos braços cansados, retirarmos das nossas bocas amanhecidas o que outras deixaram de semente ou âncora. Não és andorinha migratória. Se fosses, haveriam de calar os sinos nos campanários, acalentando um verão que não findasse mais”.

Sem quaisquer laivos de provincianismo e muito menos receios em confessar o momento feliz que a leitura da obra propicia, ouso afirmar que RESTEVA, sem dúvida, abre no cenário nacional espaço para Getúlio Neves como poeta, porquanto – a par das sobras literárias que ainda no campo sobrevivem, depois de próspera semeadura e colheita – RESTEVA, bafejada, moderna e benfazeja, cultiva e exibe belos poemas que tocam fundo no coração de todos quantos, alternativamente, sabem olhar, sentir e amar a vida através da poesia.

Olímpio Simões Pires

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