Derrubando verdades aparentes

Vejamos duas assertivas econômicas que vigoraram, durante muito tempo, como sinônimo de verdade junto a uma parte da opinião pública. A primeira: há direta relação de causa e consequência entre valorização do salário mínimo e inflação. A segunda: a globalização, obrigatoriamente, vai representar o ocaso dos países menos desenvolvidos – e é preciso fechar-se a ela.

Para o bem dos fatos, do progresso e da própria humanidade, essas duas teses foram gradativamente descartadas. Desfecho semelhante, porém, ainda não teve uma ideia que continua pautando certas mentes conservadoras e fiscalistas: elevada arrecadação de impostos necessariamente favorece os mais necessitados. Seria, para seus crentes, uma forma viável e eficiente de responder ao preocupante problema da desigualdade social. Assim sendo, o peso da carga tributária brasileira – que chega, hoje, aos 35% do PIB – estaria justificada.

Ora, no esteio dos outros dois casos citados, estamos diante de mais um flagrante equívoco. Confrontada com a precisão dos números, essa lógica não sobrevive. Estudo elaborado há poucos dias pelo Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] torna a questão ainda mais clara, reforçando pregação que venho fazendo desde que me dedico ao tema. 

A verdade – verdadeira, não a aparente – é que a nossa configuração tributária atinge fortemente as camadas menos favorecidas da população. A situação das famílias carentes – com renda per capita média de R$ 127 – é dramática por si mesma. Já longe de dar conta dos gastos essenciais, o rendimento desses trabalhadores é talhado em 32% para pagamento de impostos. Dentre aqueles que detêm maior poder aquisitivo, a soma não passa de 21%.

Essa inquietante realidade, ainda desconhecida por grande parte da sociedade, decorre de um sistema cuja irracionalidade é regra. Ao ser muito baseado em tributos indiretos, que incidem sobre o consumo, taxa igualmente ricos e pobres. Caminha, portanto, na direção contrária dos modelos bem-sucedidos mundo afora, que atuam de forma direta, através da renda.

Em outras palavras: do jeito que está, sob o pretexto de buscar justiça social, o Brasil produz seu exato oposto. Não diminui a desigualdade, mas a amplia. A mudança consistente desse contexto apenas será possível através de uma reforma que simplifique e racionalize o nosso ordenamento. Mas se ainda isso está distante de acontecer, é porque precisamos lançar mais luzes sobre os fatos, de modo a descortinar a verdade. E uma das mais alarmantes é esta: o pobre é a maior vítima do nosso sistema tributário nacional.

 

*Presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários e
ex-governador do Rio Grande do Sul (www.germanorigotto.com.br)

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