Sistema prisional do RS agoniza

Nos presídios, a norma é: condições sub-humanas de sobrevivência

Com 28.847 presos em todo o Rio Grande do Sul e 21.425 vagas, o sistema prisional do Estado está agonizante. Além de um déficit de quase 7,5 mil vagas, que não é vencido nem mesmo com o funcionamento de novas prisões, os estabelecimentos gaúchos estão superlotados, têm redes de esgoto danificadas e insuficientes para atender à demanda, rede elétrica precária, disseminação de doenças como tuberculose, lixo acumulado e ratos correndo por toda a parte.

A promessa do governo do Estado é criar, até o fim de 2014, 4.950 vagas no regime fechado e 450 no semiaberto para desafogar as prisões gaúchas. “Estivemos em uma situação pior. Acredito que estejamos caminhando para uma realidade melhor”, afirma o superintendente dos Serviços Penitenciários, Gelson Treiesleben, ressaltando que os investimentos devem somar R$ 186 milhões.

Há 15 anos trabalhando na fiscalização dos presídios, o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais da Capital, não é otimista quanto à meta de construção estipulada pelo Estado. “Não tenho verificado mudança de rumos no sistema prisional, que vem sendo administrado com poucos recursos humanos e verbas”, diz. “O que vemos é a contenção de pessoas. Não vejo nenhuma preocupação com os presídios”, completa, ressaltando que o próprio déficit financeiro do Estado impede que muitas obras avencem ou se iniciem. Brzuska afirma ainda ser desumano o que acontece dentro das prisões. “Chegamos ao limite da tolerância”, afirma. “Se as autoridades continuarem escondendo o preso da opinião pública e esta continuar achando que presidiário não é gente, o sistema marcha para a barbárie’’, adverte.

Além da superlotação e das estruturas precárias, a perda de recursos também coloca as autoridades em alerta. Em junho, a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul anunciou a investigação do desperdício de recursos do governo federal destinados à construção ou reforma de unidades prisionais. Somados, R$ 18,8 milhões não foram usados na construção das penitenciárias de Bento Gonçalves e Passo Fundo, além de um ambulatório em Charqueadas e de um albergue em Bagé. O procedimento segue recomendação feita em maio pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sugerindo a responsabilização de governos estaduais pelo desperdício das verbas. Em todo o Brasil, os valores somam R$ 103,4 milhões.

Para o procurador da República Alexandre Schneider, do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria da República no RS, é inadmissível que num sistema prisional considerado caótico, no qual o CNJ verificou superlotação e total falta de estrutura, tal situação ocorra. “Vamos pedir cópia integral do processo para ver a justificativa e por que não se levou adiante as obras”, assinala, prevendo que os gestores devam se manifestar em até dois meses. 

Passo Fundo: espera por nova penitenciária

Uma obra que se arrasta há anos é aguardada no Norte do Estado. Com previsão de gerar 320 vagas masculinas no regime fechado, a nova penitenciária de Passo Fundo será a maior da região e terá investimentos de R$ 17,4 milhões. Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o órgão aguarda a conclusão dos projetos para dar início à licitação e retomar os serviços, ainda neste semestre. A meta da Susepe é que a cadeia seja concluída até novembro de 2014. A nova casa prisional ficará às margens da BR 285, a cerca de 30 quilômetros do centro da cidade. Além do módulo de celas, a penitenciária deverá ter triagem (inclusão e isolamento), saúde, tratamento penal (serviço jurídico e social) e área para oficinas.

A construção foi uma demanda que surgiu em 2004, quando o Presídio Regional foi interditado por superlotação. Desde então, uma série de problemas fez com que o trabalho não fosse concluído. Em 2005, a União anunciou a disponibilidade de R$ 8 milhões para a construção de um novo presídio. Com área doada pelo município, caberia ao Estado tratar da documentação e da execução da obra.

Os trabalhos, porém, somente começaram em dezembro de 2010. Uma parte do terreno chegou a ser cercado, e a terraplanagem, executada, totalizando 7%. Em junho de 2011 as atividades acabaram sendo interrompidas. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades, e a principal delas seria a ausência de autorização da Caixa Econômica Federal para início da construção. O projeto também teria deixado de cumprir normas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). A licitação foi anulada e em 2012, e as tratativas junto ao Ministério da Justiça, retomadas. Após reuniões e a apresentação de novo projeto, levando em conta normas da Lei de Execução Penal, a obra deverá ser executada com recursos do Estado.

Montenegro: ampliação da rede de esgoto paralisada

Com 500 vagas, módulo construído em Montenegro só poderá receber novos presos após a conclusão do obra de esgoto

Está paralisada há cerca de um mês a obra que prevê a ampliação da central de tratamento de esgoto da Penitenciária Modulada Agente Jair Fiorin, em Montenegro. Foi a necessidade dessa obra que gerou a interdição da casa prisional no Vale do Caí, desde outubro de 2012.

De acordo com o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital e responsável pela fiscalização dos presídios, a unidade chegou a ter 1.171 presos, quase o dobro da capacidade, fazendo com que a central de tratamento fosse insuficiente para atender à demanda. Com isso, houve vazamento dos detritos no Arroio do Pesqueiro, próximo à casa prisional, e também no Rio Caí, o que levou o Pelotão Ambiental da Brigada Militar a fazer uma comunicação contra a Secretaria da Segurança Pública por crime ambiental. A partir daí o Ministério Público solicitou à Justiça a interdição da penitenciária até a conclusão das obras.

A expectativa da Susepe é de que ainda em julho seja assinado termo aditivo com a empresa responsável pelo serviço, que está orçado em R$ 382 mil, para a retomada do serviço. O trabalho consiste na abertura de uma quarta lagoa para decantação do esgoto cloacal e criados drenos de retenções na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e ampliada a Estação de Bombeamento de Esgoto (EBE). Atualmente, a população carcerária da unidade está estimada em 600 presos, embora a rede de esgoto tenha capacidade para receber os dejetos de 476 presos.

Outra melhoria que deve ser entregue nos próximos meses, conforme a Susepe, é o quinto módulo da penitenciária, que está em andamento desde 2010, e deverá ajudar a desafogar o Presídio Central de Porto Alegre. No entanto, seu funcionamento está condicionado ao término da ampliação da rede de esgoto.

Bento Gonçalves: obra que não saiu do papel

Mesmo sem sair do papel, o novo presídio de Bento Gonçalves é alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF). O motivo é a perda de recursos do governo federal para a execução das obras. De acordo com o procurador da República Alexandre Schneider, o trabalho será no sentido de apurar por que os recursos acabaram sendo devolvidos. “Vamos analisar os documentos e ver o que houve”, afirma Schneider, ressaltando as péssimas condições das cadeias. Lembra ainda que o atual presídio, na área central de Bento, está superlotado. A estimativa é que a apuração leve em torno de dois meses.

Não há perspectiva de que a obra na localidade de linha Palmeiro, no Distrito de São Pedro, seja concluída logo. A área adquirida pelo município e doada ao Estado já foi motivo de polêmica por ficar em uma região turística. De acordo com informações da Susepe, o Orçamento deste ano não prevê recursos para a construção da casa prisional. Com capacidade para 158 apenados, o Presídio Regional tem hoje 303 presos.

Porto Alegre: o pior presídio do País

Com mais de 4 mil presos, o Presídio Central é o retrato da degradação do sistema prisional do Rio Grande do Sul

Se uma casa prisional sintetiza a degradação das prisões no Estado, ela está localizada em Porto Alegre e já chegou a abrigar 5,3 mil presos, em 2010, enquanto sua capacidade é de pouco mais de 2 mil. O Presídio Central de Porto Alegre (PCPA), considerado a “porta de entrada dos presos na Capital e Região Metropolitana”, tem uma estrutura sem condições de ser recuperada e é dominado por facções, que comandam as galerias. O destino do Central, considerado pelo Conselho Nacional de Justiça o pior presídio do Brasil, deve ser definido até o fim de 2014: terá uma nova estrutura ou será encaminhado para a desativação.

Pelas portas da maior casa prisional do Estado chegam a ingressar em média, mil presos a cada mês, de acordo com informações da Susepe. No entanto, devido à interdição da Justiça, ficam recolhidos no Central somente presos provisórios. Atualmente, são 4.535 detentos.

Um dos problemas mais graves está na rede de esgoto saturada, que expulsa os dejetos das fossas pelas paredes e pátios, expondo-os aos apenados, servidores e visitantes. Isso ajuda também na proliferação de doenças como tuberculose. Além disso, a rede elétrica é precária e a condição dos prédios é considerada ruim. Quando há quedas de luz, a “cadeia bate” e quebra-se mais um pouco das galerias.

A situação chegou a tal ponto que entidades representativas da sociedade civil, como Ordem dos Advogados do Brasil/ Seção RS, Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), Associação dos Juízes do RS (Ajuris), Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) e Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias (Ibape/RS) criaram o Fórum da Questão Penitenciária. Em janeiro, foi encaminhada uma representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciando a violação dos direitos humanos no Presídio Central e as precárias condições do estabelecimento. Em março, a União respondeu o pedido de informações da entidade internacional. O parecer do Fórum, porém, atesta que a “estrutura do Central é irrecuperável para o fim a que se destina, de ser um presídio”.

 Diferentes governos, soluções semelhantes

Ao longo dos anos, governadores do Estado prometeram solucionar os problemas de superlotação e de estrutura do Presídio Central de Porto Alegre.

Em março de 1995, após registrar a maior fuga de presos da história no Estado – 45 fugiram, durante rebelião –, o então governador Antônio Britto determinou estudos para a desocupação. A ideia, na época, era trocar o terreno com empreiteiras, que construiriam prisões na Capital. O argumento era para diminuir a superlotação – eram 1,8 mil presos.

Em 2008, a então governadora Yeda Crusius chegou a anunciar que o Presídio Central seria implodido. Para isso, antes, seriam construídos novos presídios, o que permitiria uma desocupação gradativa da área.

Em abril deste ano, o governador Tarso Genro anunciou, no programa de rádio Mateando com o Governador, que o Central será desocupado até o fim de 2014. O destino da área está em estudos dentro do governo. “Vamos discutir se vamos vender o Central ou fazer uma outra instituição, mas com certeza não será mais o mesmo de quando recebemos”, afirmou Tarso.

Emilio Rotta
ADI – Associação dos Diários do Interior / Especial

Notícias Relacionadas

Os comentários são moderados. Para serem aceitos o cadastro do usuário deve estar completo. Não serão publicados textos ofensivos. A empresa jornalística não se responsabiliza pelas manifestações dos internautas.

Deixe uma resposta

Você deve estar Logando para postar um comentário.