Militância fronteiriça – do MERCOSUL ao POVOSUL

As populações das cidades de fronteira viveram por anos abandonadas pelos seus Estados, quando fronteira era o lugar da marginalidade nacional, e os Estados se preocupavam com as cidades do litoral e as dos seus miolos, centrais. Aqui na fronteira Brasil-Uruguai, as populações, esquecidas por seus governos, foram crescendo pelo caminho da integração de fato, integração para a sobrevivência, identificando vantagens e desvantagens nesse e naquele lado da fronteira de acordo com as crises políticas e econômicas do lado de lá e do lado de cá. Integração de necessidades e interesses: comprar aqui para usar ali, ou comprar ali para usar ou vender aqui, foi uma forma de sobrevivência econômica desses dois povos que cresceram juntos, com identidades nacionais diferentes, mas em um mesmo círculo real de identidade compartilhada, binacional, fronteiriça. Hoje, a “cabeça ideológica” dos Estados está mudando em relação às fronteiras. O mundo bipolar terminou e, nessa etapa multipolar de nossa história internacional, alguns Estados vão se agrupando nesse cenário multipolar. Governos de Brasil e Uruguai vão deixando de ver as fronteiras como lugares de separação territorial, de divisão nacional, passando a vê-las como possibilidade privilegiada de qualificação da integração. As cidades de fronteira do Brasil e Uruguai já são integracionistas há décadas. Antes dos Estados descobrirem a integração, nas cidades de fronteira do Brasil e Uruguai já se vivia a integração de fato. Integração de povo, sem apoio dos Estados. Agora, porém, que os Estados “despertaram” para a integração, eles poderiam fazer mais pelo povo fronteiriço, que ainda vive preso aos gargalos jurídicos que impedem a colaboração de municípios e intendências binacionais nas áreas da saúde, educação, transporte, segurança, cultura, assistência social, já que as leis são feitas para quem vive no miolo dos Estados e não para os que vivem em cidades integradas, binacionais de fronteira. O paradoxo da integração regional é que as populações precisam de um instrumento de integração, mas não o têm, e os Estados gastam com uma estrutura que deveria ser integradora, e não o é. O problema do MERCOSUL é que ele começou pelo lado errado da integração, pelo mercado das grandes empresas. Não começou nem pelo povo nem pelo mercado do povo, mas pelo mercado dos grandes. Em vez de um POVOSUL, ou PUEBLOSUR, tivemos esse início errado, focado no mercado para grandes empresas. O povo precisa de um instrumento ao menos binacional de integração, e não o tem, já que o MERCOSUL está distante da fronteira não somente do ponto de vista físico, mas político. Assim como o povo fronteiriço das cidades da fronteira Brasil e Uruguai, também sou integracionista, no estilo da fronteira: integração de fato, material, e não mera metafísica da integração. Militância fronteiriça significa também torcer e trabalhar para que um dia possamos ter um instrumento útil de integração regional, focado nos problemas reais dos povos, quem sabe ocupando a sede do MERCOSUL e mudando seu nome e sua identidade para POVOSUL, ou PUEBLOSUR.

Fábio Régio Bento – sociólogo

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