Hino rio-grandense – Cante-o sem moderação

Um paulista, bancário, que trabalha no RS, reclamava do fato de os gaúchos cantarem o próprio hino, o que, para ele, seria uma espécie de “subversão da ordem nacional”. Uma professora, também de outro estado, que trabalha numa instituição pública situada no Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina, reclamava do que ela chamou de “agudo bairrismo” dos gaúchos, e, na falta do que fazer, disse que queria organizar (ou ajudar a organizar) no facebook um movimento contra esse tal bairrismo.

Aliás, interessante notar que foram os tais bairristas da fronteira que reivindicaram e conquistaram a instituição de ensino onde ela fez concurso, livremente, imagino, já que concurso público não é como aqueles casamentos de moça grávida, daqueles em que o pai da moça obriga o rapaz a soltar um sim, pela força persuasiva do 38.

Eu, com os botões do meu poncho, perguntei-me: mas por que não voltam para casa? Se estão tão mal no estado que os empregou, por que não voltam para seus estados de origem? Quem os obrigou a vir para cá? Já morei em outros estados e outros países. Adoto, como regra, a do respeito pela cultura do estado ou do país onde estou. Vai ver que é por isso que me estresso um pouco quando vejo pessoas repunadas do charque aporrinhando aqui no RS. Eles são exceção, claro, mas uma exceção extremamente inconveniente.

Bem, sobre o hino rio-grandense, vejamos o que diz a lei, a Constituição da República Federativa do Brasil: Artigo 13: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. 1.São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais. 2.Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão ter símbolos próprios”.

Aqui no RS, falamos português, meio mal, às vezes, mas falamos. Na fronteira, gostamos de botar um pouco de espanhol nas nossas frases, assim como em outros estados botam o inglês. Nosso hino é em português: “Como a aurora, precursora, do farol…”.

Ao contrário do que disse o paulista citado no início deste texto, a Constituição Federal nos explica que cantar o hino rio-grandense não é subversão. Vai ver que ele não conhece o hino dele e fica com inveja porque conhecemos o nosso. Repetindo: “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão ter símbolos próprios”. Portanto, podemos cantar nosso hino em paz. Assim como o Mico-leão-dourado, também estamos protegidos por lei federal.

Estranho não é cantar o próprio hino, mas tentar impedir que os gaúchos cantem seu hino em seu estado. Tal constrangimento é que é subversão da ordem constitucional. Cantamos, também, o hino nacional. Os dois são bons, eu gosto dos dois.

Quem são os que não gostam de ouvir os gaúchos cantando seu hino em seu próprio estado da Federação? Brasileiros mal resolvidos, de outros estados, e inimigos internos, o tal do fogo amigo. Os inimigos internos da cultura gaúcha são de dois tipos. Usando terminologia tradicional, temos os de direita e os de esquerda.

Os inimigos internos de direita são os que sonham com o Central Park, de Nova Iorque, enquanto passeiam pelo Parque da Redenção. Usam blusinhas em inglês, o que eles acham lindo, e consideram cafonas as bombachas dos gaúchos. Moderno, para eles, é comprar em Miami, passear na Disney, encher a casa de peluches do Mickey, ou do Snoopy. Isso, para eles, é normal. Já as bombachas, seriam uma indumentária repleta de defeitos ideológicos.

Mas temos, também, os inimigos internos de esquerda, as viúvas gaúchas do Lênin, gente que ainda chora o fim do socialismo real e acredita na ressurreição da carne comunista. Criticam o Garibaldi, por não ter tido “consciência proletária”, chamam o Bento Gonçalves de ladrão, criticam a maçonaria. Tentam fazer o que eles chamam de “desmistificação” da farroupilha, com as luzes da razão crítica.

Descobriram o fervor iluminista com certo atraso. Talvez devessem morar na França, mas não sei o que os franceses conseguiriam fazer por eles. Bem, não conheço nenhuma revolução que tenha sido santa como Madre Teresa de Calcutá.

Todas as revoluções são contraditórias. Algumas, porém, pelo que significaram, continuam vivas, como a nossa, a Farroupilha, uma revolução “derrotada” que é alegremente festejada. Aliás, revolução inacabada, do ponto de vista da igualdade social entre os gaúchos que vivem ao redor do mesmo mate.

“Povo que não tem virtude, acaba por ser escravo. Mostremos valor, constância…” também quando combatem nosso direito de cantar o nosso hino em nosso estado.

Fábio Régio Bento

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