O bodoque e o sermão do padre

Um dia destes li que estavam vendendo bodoques pela internet, aí comecei a imaginar o que levaria pessoas a praticar tão inusitado anúncio para tempos de jogos eletrônicos 3D. Não deveriam ter sentido o mesmo gosto que tive na minha infância, pensei, é porque para se fazer um bodoque no meu tempo, antes, tínhamos que enfrentar uma verdadeira expedição no bairro que vivíamos. Primeiro sair para escolher uma forquilha, depois cortá-la, tirar a casca, deixar secar, enquanto isso se ia a uma bicicleteria para conseguir alguma câmara, depois se cortava em tiras, arranjava um pedacinho de couro, de preferência da velha calça vaqueiro “Blue Jeans” ou “Far West” que eram especiais para isso. E logo, só assim, poder curtir a invenção e se divertir matando passarinhos.

E sob tão excêntrico comercial, avaliei a decisão dessas pessoas do anúncio, cujas almas estão envoltas por corpos, corpos estes, envoltos pela cidade numa urbe que nada mais é do que um pulsar de almas juntas convivendo entre si e a disputar um mesmo espaço em desamparada solidão. Diante de tantas notícias maléficas do mundo que entram pelas janelas das nossas casas, incluindo este inocente anúncio da venda de uma arma tão primitiva, matutava caminhando na minha calçada de como essa rústica arma ainda encantava.

Quando a gente faz aquela caminhadinha depois do jantar, perto de casa, a pretexto de esticar as pernas, na verdade é para buscar bem lá no fundo uma inspiradora motivação do por quê da nossa vida ali naquele lugar, naquela rua, com aqueles vizinhos. Foi ali, do encontro com um velho amigo, o padre Hermes, numa modesta noite de verão, que confabulamos sobre o inusitado fato.

Muitas vezes é nestes passeios que encontramos bem-estar para algumas indagações não só sobre o nosso passado como do nosso dia adia. Mas há uma força que nos empurra para uma zona de conforto, no sentido de que sempre confiamos o nosso destino à Deus, bem como, algum mal que tenhamos feito inconscientemente. Acho natural que nos questionemos, se um dia não seremos protagonistas de um dos infaustos noticiários, destino como dos passarinhos que lá na infância roubamos a vida com uma brincadeira tão caipira, como a de jogar pedras com bodoque.

Foi então que fiz uma pergunta meio ingênua ao meu amigo padre, que claro, estava carregada de duplo sentido na metáfora, mas não menos impregnada da mítica cristã de um católico como eu: – Padre, o além da morte não se escolhe, mas o que é o sentido da vida quando interferimos impensadamente no destino de pessoas ou de seres tão indefesos como o de um passarinho?

Disse-me: – O sentido da vida é um pensamento, é como a pedra que Davi jogou em Golias e mudou o destino de um povo, também é o amor que deixastes escapar lá na infância ao abateres uma ave inocente com um bodoque. Não tinhas consciência do mal, é verdade, mas aprendestes uma lição. E completou: – Eis o que disse o senhor… “Eu vos enviei como cordeiros para viverem entre os lobos, sejas prudente como as serpentes e simples como as pombas”.

Carlos Alberto Potoko – www.fronteiradapaz.com/carlospotoko

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