“Não precisamos disparar um tiro”

Última foto dos santanenses antes de deixarem o Haiti

Comandante dos militares santanenses que integraram o Batalhão Brasileiro no Haiti, o major Paulo Queiroz, fala sobre a experiência de seis meses no país mais pobre das Américas

Com o coração na mão, os familiares dos 32 militares do 7º Regimento de Cavalaria Mecanizado (RCMec) os viram embarcar para o Haiti, em fevereiro. O que iriam encontrar naquele país – considerado o mais pobre das Américas e frequentemente assolado por desastres naturais – era motivo de apreensão para todos. Porém, nas últimas semanas, soldados, cabos, sargentos e oficiais retornaram aos seus lares, sãos e salvos. O último a embarcar de volta para casa foi o major Paulo Noleto Queiroz Filho, que esteve à frente do esquadrão. “Não precisamos disparar um tiro”, é como define a missão – de modo geral, é claro. Afinal de contas, a tropa não precisou disparar ofensivamente. “Houve alguns poucos disparos sim, mas apenas para controlar pequenos distúrbios e manter a segurança da tropa”, complementa.

Os santanenses integraram um dos quatro pelotões do 4º Esquadrão de Fuzileiros Mecanizados de Força de Paz, oriundo da 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Bagé, ao lado de homens dos quartéis de Jaguarão, São Gabriel e da sede da Brigada. O esquadrão fazia parte, ainda, do batalhão brasileiro (BRABATT, na sigla em inglês), formado ao todo por 810 militares, a maioria de unidades de abrangência da Brigada de Infantaria de Pelotas. Em treinamento desde setembro do ano passado, os homens embarcaram para o Haiti em fevereiro e recentemente voltaram para casa. Enquanto o grupo santanense foi um dos primeiros a retornar, o major que estava no comando dos 136 militares da Brigada de Bagé embarcou por último.

Recém chegado a Livramento, o major Queiroz – que assim como os outros militares irá gozar os 15 dias de dispensa concedidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e as férias correspondentes ao ano de 2010 – relata, em entrevista exclusiva, a experiência do grupamento santanense no Haiti. “O sucesso da missão está no fato de termos cumprido o proposto: mantemos um ambiente seguro e estável e ajudamos a população, sem ter usado de violência”, avalia.

Entrevista

Major Paulo Noleto Queiroz Filho

A Plateia - Como foi o retorno para casa?

Queiroz – É um processo. Começa nas últimas tarefas que vamos desempenhando no Haiti, continua durante o que chamamos de desmobilização. Para mim, estar em casa foi ver grama, sentir frio, pois isso não tem lá. Antes do embarque, os seis meses de treinamento vão te inserindo no contexto. Quando retornamos ao Brasil, há um processo de desacelerar, para chegarmos em casa tranquilos. Não podemos manter a postura incisiva que precisamos ter por lá. Nesses dias (foram 4 dias em Porto Alegre antes de voltar para Livramento), passamos por exames médicos, palestras, avaliações psicológicas. E descansamos. Retomamos o ritmo.

A Plateia – O que mais chamou a atenção de vocês no Haiti?

Queiroz - O mais marcante foi ver que a grande maioria, eu diria quase 90%, não tem casa fechada, com grama. Acompanhei reportagens sobre a miséria e a pobreza em jornais gaúchos, mas nada se compara. No Haiti, não há a mínima condição de vida para a população mais pobre. Lá tem muitos moradores de rua. O país não tem recursos naturais, não tem agricultura desenvolvida e nenhum tipo de extrativismo que gere divisas. A única coisa que existia era o carvão, e essa atividade exterminou as florestas. Todo episódio de chuva é uma calamidade.

A Plateia – Por que a chuva é preocupante?

Queiroz - O terreno não absorve. Os leitos dos rios são secos e se tornam depósito de lixo. É um cenário caótico, parece outro mundo. Tem também furacões e terremotos. É um povo acostumado a perder tudo de tempos em tempos e a viver com muito pouco. As casas ou barracas são vazias. Nos 300 campos de deslocados presentes em Porto Príncipe – um deles com 40 mil pessoas – a condição de vida é degradante em termos de saúde. Água encanada existe na proporção de uma torneira para centenas de pessoas. Nesses campos, as banheiras ficam próximas a banheiros químicos, disponibilizados pela ONU.

A Plateia - Essa impressão que fica do Haiti?

Queiroz – Isso foi o mais marcante: a que nível chega a degradação da pessoa humana, ao caos social. Pensávamos também que, por mais pobre, pelo menos aqui no Rio Grande do Sul temos condições de sobrevivência. Há água, há terra. Apesar de tudo isso, o haitiano tem um forte sentimento nacional, um verdadeiro amor pela bandeira, um carinho pela terra deles. Eles louvam seus antepassados. O Haiti foi o segundo país americano independente e a primeira nação negra a se tornar independente, num processo que partiu do povo.

A Plateia - Muita gente deixa o país?

Queiroz - Dizem que a diáspora haitiana é superior à população atual. Em Miami, nos Estados Unidos, há bairros inteiros de haitianos. O país está se reconstituindo e chamando essas pessoas a voltarem para casa. Assim esperam melhorar as condições.

Ações sociais fazem parte da rotina dos brasileiros na missão de Paz

A Plateia - Vocês se depararam com muita violência?

Queiroz - A maior parte da violência no mundo ocorre em decorrência das drogas. Por isso, lá é diferente. Não há dinheiro para comprar drogas. Portanto, todo o episódio de violência diz respeito à sobrevivência. Quando um grupo lutava junto, formavam-se as gangues.

A Plateia - Como é a cultura haitiana?

Queiroz – É uma cultura tribal. O Haiti foi colônia francesa, produtora de cana de açúcar, povoada com escravos negros trazidos da África. Quando houve a independência, toda a cultura tribal, com os líderes tribais e os costumes do homem como guerreiro foi resgatada. Assim, o homem haitiano é o centro da família, recebe mais comida e tem privilégios perante suas esposas (são polígamos) e seus filhos. O povo também é engajado politicamente, faz reivindicações sociais.

A Plateia - Como era o trabalho de vocês no Haiti?

Queiroz - Quando estamos lá, entendemos o sentido da missão. Vamos para ajudar esse povo, para controlar o caos. Temos a prerrogativa de manter um ambiente seguro e estável. O haitiano é instável e impaciente e cabe a nós lidarmos com isso. Uma das coisas boas que fizemos, nós da Cavalaria, foram as operações “Flash CMIC”. CMIC é a sigla em inglês para as ações cívico-sociais (as Aciso). Fazíamos a distribuição de donativos de forma rápida (“flash”), em várias localidades, privilegiando as mulheres com crianças. Assim, garantíamos a comida para as crianças, porque a mãe zela pelo filho – e evitamos aglomerações, que acabam em confusão.

A Plateia – O haitiano gosta do brasileiro?

Queiroz - O brasileiro é apaziguador, daí também o sucesso do grupamento brasileiro no Haiti. Eles sabem que quando abordamos alguém iremos solucionar o caso sem violência, mas com conversa. Procuramos realmente ajudar. Eles gostam dos brasileiros. E olha que tem tropas de 22 países por lá. Acho que também temos uma empatia pela situação deles, até pelo fato de termos situações parecidas no nosso país.

Distribuição de mantimentos era uma das ações dos militares no Haiti

Notícias Relacionadas

Os comentários são moderados. Para serem aceitos o cadastro do usuário deve estar completo. Não serão publicados textos ofensivos. A empresa jornalística não se responsabiliza pelas manifestações dos internautas.


3 Comentários

  1. ronaldo fagundes

    este tatagracieijj deve ser algum recalcado na vida para falar uma bobagam dessas possivelmente ele nunca passou neçessidade na vida .

  2. tatagraciejj

    De que adianta conquistar independência e destruir todos os seus recursos naturais, para depois sobreviverem de esmolas de outros países? Ainda nutrem uma cultura retrógada que não os levará a lugar algum. Enviam soldados, investem em treinamentos como se nossa cidade eas demais não estivesse precisando de segurança nas ruas…
    Linda parceria para o Brasil..

Deixe uma resposta

Você deve estar Logando para postar um comentário.