Bofetada comercial

Duvido muito da sinceridade das ações públicas dos que criticam as palmadas dos pais, mas passaram a vida televisiva profissional dando bofetadas comerciais nas crianças, fazendo merchandising para público infantil. Certa vez, quando fui comprar brinquedos para minhas filhas, fiquei impressionado com a quantidade de brinquedos com o sorriso de apresentadores de programas televisivos impressos nas embalagens. Difícil comprar um brinquedo sem a imagem associada a ele deste ou daquela apresentadora de programa de auditório. Mais difícil ainda encontrar uma sandália para menina sem a imagem de “celebridades” televisivas.

Não havia sandália-sandália, mas a sandália da fulana, da fulaninha, da fulaneta, da fulanosa. Uma verdadeira “caça ao dinheiro” dos pais por meio do condicionamento telepublicitário de crianças pelo uso de “celebridades” televisivas criadas para a captura comercial do público infantil. Fui avisado de que haveria mais qualidade na TV por assinatura do que na TV comercial. Assinei, mas qual não foi minha surpresa ao ver que a publicidade infantil também invadiu vários canais de programação para crianças da televisão paga pelos assinantes. Nossas casas são invadidas por personagens televisivos que tentam extrair parte dos nossos salários pela conquista comercial dos nossos filhos. Merchandising e público infantil é bofetada em criança.

A publicidade para crianças adota a política da captura comercial pela dominação psicológica dos nossos brasileiros mirins. Por meio desta ou daquela apresentadora (ou predadora), as presas (ou crianças) são adestradas na doutrina do consumismo, aumentando os valores da conta bancária destas apresentadoras com o dinheiro arrecadado com o consumo infantil. Depois, elas fazem campanhas cívicas, fazem doações. Devolvem com uma mão um pouco do que arrecadaram com a outra, por meio do tal merchan para crianças. Saem no lucro, limpando a própria imagem, o que, depois, serve para vender mais. As crianças são vítimas frágeis da manipulação telepublicitária, pois seus mecanismos de defesa ainda são muito débeis. É por isso que vários países democráticos protegem as crianças da violência do merchandising que as transforma em “público-alvo”. Crianças tendem a crer na autoridade dos adultos. Por isso, uma sociedade de adultos responsáveis deve prevenir as crianças, ensinando-as a não confiar incondicionalmente nos adultos e seus ensinamentos, como faziam os autores das fábulas pedagógicas tradicionais, que ensinavam, por exemplo, a desconfiar do ambiente de uma casa de doce, colorida, atraente, porque ali poderia estar escondida uma mulher perversa. Mas o que esperar de um sistema telepublicitário que até pouco tempo usava bichinhos e gravuras infantis (tatuagens) para publicizar bebidas alcoólicas (cerveja), imprimindo na imaginação das crianças a associação entre cerveja e simpáticos bichinhos coloridos? Assim, quando, no futuro, fossem consumir cerveja, a tal marca já teria povoado as dobras das suas cabeças. Mas ai de você se criticar certas publicidades. Os publicitários te chamam, na hora, de censor, como se os ditadores fôssemos nós, os consumidores, que nos defendemos como podemos. A telepublicidade desqualifica como censor todos aqueles que, a partir do mero bom-senso, fazem oposição a esta lógica perversa. Os ícones da publicidade televisiva para crianças foram criados para conquistar (capturar) comercialmente o “público infantil” mediante mecanismos de condicionamento psicológico. Conquistam a simpatia e a amizade das crianças para conquistar o bolso delas e dos seus pais. Um tapinha dói, dói sim, dói mesmo. E uma bofetada, mais ainda, o que vale, também, para as bofetadas comerciais contra as crianças, reduzidas à condição de “público-alvo infantil”.

Fábio Régio Bento – sociólogo Unipampa

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