O bom materialismo

“Minha prima passa a tarde no shopping, ela é uma materialista”, criticava seu primo. “Meu sobrinho não acredita em Deus, ele é materialista”, comentava a tia.

Materialista como consumista, ou ateísta.

Compreende-se, às vezes, uma palavra, identificando seu contrário. No caso de materialista, o contrário não é ateísta ou consumista. Há quem não seja consumista, nem ateísta, mesmo sendo materialista.

Sociólogos são metodologicamente materialistas. Estudam coisas sociais, materiais, reais, concretas, positivas, vigentes. De onde a palavra positivismo, para indicar a busca da compreensão daquilo que é real, fático, positivo. Durkheim estudava fatos sociais, materiais; Weber, ações sociais, materiais; Marx, conflitos sociais, materiais.

Sociólogos não estudam conceitos, mas fatos, em forma de conflitos (Marx) ou integração (Sorokin), por meio da ajuda de conceitos.

O contrário de materialismo não é ateísmo, nem consumismo, mas idealismo, estudo focado em conceitos, ideias (idealismo 1) ou ideais, valores (idealismo 2). Sociólogos são metodologicamente materialistas. E até em certa teologia há um quê de materialismo já que Deus, e a cidade de Deus, não são, segundo a revelação cristã, conceitos, ideias, ideais, mas coisas, reais, concretas. O céu, para os cristãos, é “realidade maior”, cidade de Deus, segundo Agostinho.

O céu como coisa social, e não como fumaça conceitual. O cristianismo não é espiritualismo. Um dos dogmas de fé dos cristãos católicos afirma que Jesus ascendeu aos céus em corpo e alma, pessoa. Portanto, ele já vive no céu com seu corpo definitivo.

A fé cristã acredita na criação divina da matéria, acredita na eternidade transfigurada da matéria, na ressurreição da carne. É uma fé espiritual concreta, e não um espiritualismo abstrato. Uma fé com um quê de materialidade: realidade maior, mas sempre realidade, que não pode ser tocada, mas sentida, pela percepção da fé.

O materialismo metodológico da sociologia é bom materialismo, ajuda a qualificar a compreensão do mundo social onde vivemos, ajuda na elaboração de ações políticas moralmente reformadoras em nossas sociedades. Ainda sobre possíveis equívocos referentes à palavra materialismo, outro é considerar o materialismo (histórico e dialético) de Marx como sinônimo de materialismo econômico.

Silviu Brucan, no livro A Dissolução do Poder – Sociologia das Relações Internacionais e Políticas (México: Siglo XXI, 1974) refere-se a tal equívoco usando a expressão “a falácia do materialismo econômico”.

E cita uma ponderação de Engels sobre o problema: “De acordo com a concepção materialista da história, o elemento finalmente determinante na história é a produção e a reprodução da vida real. Mais do que isto, nem Marx nem eu jamais nos atrevemos a dizer. Por conseguinte, se alguém distorce para dizer que o elemento econômico é o único determinante, transforma essa proposição em uma frase vazia de sentido, abstrata. A situação econômica é a base, porém diversos elementos da superestrutura, as teorias jurídicas, políticas e filosóficas, as concepções religiosas e seu ulterior desenvolvimento em sistema de dogmas, também exercem sua influência no curso das lutas históricas e, em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma” (Marx e Engels. Selected Works, vol.I. Moscou: Foreign Language Publishing House, 1950, p. 443-444).

Brucan comenta a citação: “Aqueles que levaram a termo tal deformação, contribuíram em apresentar o marxismo como um determinismo econômico, como um materialismo vulgar” (1974, p.71).Em suma, ao pensar na palavra materialismo, você não precisa concordar com minha interpretação, mas pode compartilhar a mesma dúvida: o que significa mesmo “materialismo”? Uma palavra importante do ponto de vista sociológico, metodológico e até mesmo do ponto de vista teológico.

Fábio Régio Bento – sociólogo e teólogo

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