A doença da moda

Para mim a poesia é semelhante a uma profecia, a gente cria uma realidade inexistente, inventa o silêncio de si mesmo até encontrar uma força libertadora para encarar grandes sofrimentos. Não é por outra razão que a poesia, em especial a romântica, nos ajuda entender a vida e a lidar com a morte.

Mais do que em outras gerações do romantismo, o ultrarromantismo se destacou através do sentimentalismo excessivo e sombrio. Além disso, vários de seus autores tiveram a existência marcada pelo sofrimento e até o reconhecimento literário póstumo.

O autor Cruz e Souza teve o casamento atormentado pelos distúrbios mentais de sua esposa, e a morte de seus quatro filhos vitimados pela tuberculose pulmonar. Vários grandes escritores estrangeiros como o americano Edgar Allan Poe, o inglês Lord Byron, e vários outros tiveram na doença uma tragédia em suas vidas.

O escritor e religioso Junqueira Freire morreu, prematuramente, aos 23 anos. Casimiro de Abreu morreu enfraquecido pela tuberculose em 1860, três meses antes de completar 22 anos. Assim também foi a trajetória do mais famoso ultrarromântico brasileiro: Álvares de Azevedo. O paulista viveu e escreveu sob a tétrica fluência Byroniana, falecendo precocemente no dia 25 de Abril de 1852, antes de completar 21 anos. Enquanto seu corpo era sepultado, o amigo Joaquim Manuel de Macedo recitava “Se Eu Morresse Amanhã”; obra escrita por Álvares de Azevedo poucos dias antes. Mas o poeta teria pressentido sua morte?

A biografia da poetisa Florbela Espanca nos traz um exemplo fatal: após casamentos infelizes, rejeição da família e da sociedade e dois abortos, Florbela suicidou-se aos 36, anos ingerindo uma dose excessiva de medicamentos. As tragédias pessoais também alimentam a inspiração ultrarromântica. Fagundes Varela escreveu Cântico do Calvário, uma homenagem ao seu filho morto com apenas três meses de vida. Ainda sofreu a perda de outro filho em seu segundo matrimônio, e faleceu aos 34 anos em absoluto desequilíbrio mental. Ainda neste contexto, podemos citar novamente Florbela Espanca. A poetisa portuguesa é autora de As Máscaras do Destino; dedicada ao seu irmão que também cometeu suicídio. Alphonsus de Guimaraens perdeu sua noiva Constança, vítima de tuberculose aos 17 anos. Mesmo casando-se posteriormente, toda sua vida e obra foram marcadas por esta ausência.

Outro exemplo é o Manoel Bandeira, que abortou sua doença fatal com delicadeza e humor no poema Pneumotórax: “ – O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado / – E então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? / – Não, A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”

Portanto, a saúde frágil e muitas vezes debilitadas pela incurável tuberculose (segundo o inglês Shelley: “a doença da moda”), decepções afetivas, fracassos financeiros e a perda de entes queridos formaram um quadro dramático comum aos poetas, que assim contribuíram intensamente na inspiração refletida nos temas tristes do estilo. De tal modo, que os devaneios da alma dos ultrarromânticos manifestavam o enfado, a depressão e a desilusão em que viviam naufragados.

Ficam-me muitas interrogações: Que doença hoje poderia entender-se como doença da moda? Seria a AIDS? Seriam os poetas tristes ou tornavam-se tristes em decorrência de uma vida repleta de sofrimento? Ou, o quê realmente quis Drummond precaver ao homem romântico atual com o poema “No Meio do Caminho”?!…

Carlos Alberto Potoko

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