Os gargalos da indústria no interior do Rio Grande do Sul

Problemática e possíveis soluções para o atraso na economia regional

Breve histórico

Para se combater uma doença, é preciso antes conhecer o problema, procurar a solução, para só então encontrar a cura. No caso da problemática referente ao atraso industrial em que se encontra o Rio Grande do Sul com relação a outros estados da federação, faz-se necessário voltar um pouco no tempo, para entender o que houve, e o que pode ser feito para alavancar o setor industrial do Estado.

Fazendo um paralelo ao passado histórico do RS, é possíver perceber que a ocupação do território gaúcho, primeiramente, teve início em função de questões militares, basicamente pela defesa frente às tentativas de invasões espanholas. Em seguida, o Rio Grande do Sul integrou-se ao centro do País, através do abastecimento de carne seca e animais de transporte, devido à atividade mineradora que se instalava em Minas Gerais, no início do século XVIII.

Durante o Império, a principal atividade econômica do Rio Grande do Sul foi a pecuária (charque), praticada de maneira extensiva e em grandes propriedades, conhecidas como estâncias, onde situavam-se os melhores e mais valorizados campos de pastoreio e rebanhos do Estado.

A partir da metade do século XIX, a economia charqueadora começou a enfrentar sucessivas crises, face à concorrência do charque platino de melhor qualidade, que chegava aos principais portos brasileiros com o preço inferior ao charque gaúcho. A agricultura colonial alcançava o mercado interno do centro do País, exportando produtos demandados pela economia do café. Naquela época, já se falava nas dificuldades de transporte, que determinavam um alto grau de isolamento das unidades de produção colonial, tornando-os dependentes do capital comercial.

Até meados dos anos 1950, a economia gaúcha estava voltada para o abastecimento do mercado interno, o que resultou em uma indústria de caráter regional, caracterizada pela produção de bens de consumo não duráveis, pelo aproveitamento das matérias-primas de base local, em função de sua forte ligação com o setor agrícola.

O resultado dessa regionalização da indústria gaúcha foi a sua caracterização como beneficiadora de matérias-primas locais, como fazia desde seus primórdios. Com isso, perdia participação na produção nacional, uma vez que não construía parcelas significativas de indústrias dinâmicas, de bens de consumo duráveis e de capital, concentrando ainda em sua estrutura um peso elevado de indústria de bens de consumo não duráveis, ou bens tradicionais.

Desta forma, a indústria gaúcha tornou-se dependente de um setor primário que também perdia mercado, devido à sua subordinação aos capitais provindos das exportações agropecuárias. Era insuficiente a acumulação de capitais destinados à indústria, em razão do seu “modelo histórico de desenvolvimento”, que freava o desenvolvimento industrial.

O Rio Grande do Sul possuía uma estrutura industrial de pequenas fábricas e baixa acumulação de capital, e o resultado da integração e da característica de grandes unidades de produção no centro do País, aptas a atender o mercado interno, foi novamente, a perda de participação a nível nacional de suas indústrias.

Gargalos: estradas, logística e falta de investimento público

De acordo com o relato histórico que ilustra algumas dificuldades enfrentadas pelo setor industrial no Rio Grande do Sul, a falta de investimentos do governo federal é, sem dúvida, um dos fatores que dificultam a implantação de novas indústrias no Estado, assim como a manutenção das que já existem. O PIB brasileiro é um dos mais altos do mundo, conforme estudo da Intelog-Inteligência e Logística.

Essa falta de investimentos não se restringe apenas a aportes financeiros ou incentivos fiscais, como a redução de taxas e impostos, já que, segundo o Presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Rio Grande do Sul – FIERGS, Heitor José Müller, “a alta tributação sobre a indústria brasileira, praticada na origem, encarece em até 40% os preços finais dos produtos nacionais”.

Assim, o problema citado logo acima é recorrente em nossas estradas desde o fim do século XIX. A extensão continental das rodovias brasileiras, aliada ao péssimo estado de conservação, são os maiores vilões, responsáveis pela perda de boa parte das cargas de grãos que circulam pelo País.

Não bastasse isso, outro problema comum, que envolve a frota de caminhões, responsável pelo transporte de cargas por todo o Brasil, é a logística e a falta de infraestrutura nos portos do Brasil. Segundo dados do Denatran, de março deste ano, transitam nas rodovias do Brasil, 2.405.100 caminhões.

Em Sant’Ana do Livramento, localizada na divisa com Rivera (Uruguai), o Porto Seco é responsável pelas operações de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro das mais diversas cargas com destino ao Uruguai, ou que venham do país vizinho com destino ao Brasil, e conta com apenas um servidor para fiscalizar em média 50 caminhões por dia, conforme informações do engenheiro agrônomo Edson Madruga.

Segundo o Sr. Francisco Damilano, gerente administrativo da empresa Elog Logística Sul LTDA, concessionária responsável pela

administração do Porto Seco, “o maior gargalo do Porto Seco está na logística documental realizada fora do Porto ou até chegar a ele, exceto em dias de greve ou operações padrão realizadas pelos órgãos que trabalham dentro da área de fiscalização, como a Receita Federal (RFB), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério do Transporte do Brasil e Uruguai, Aduana Uruguaia, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e IBAMA, que são chamados de órgãos intervenientes, onde a administração do Porto Seco não pode intervir. Cada um faz sua própria gestão”, ressaltou.

“Muitas vezes, por não conhecer os entraves burocráticos que um erro de planejamento pode trazer, o cliente final deixa de exportar para Livramento pelo Porto Seco. Hoje, a logística é a principal forma de desafogar os Portos”, desabafa Damilano.

A logística, ou a falta dela, é um dos principais fatores que interferem no aumento dos custos operacionais suportados pelos empresários. Segundo o IBGE, dados de 2011 apontam o Rio Grande do Sul como o sexto estado da federação onde é mais caro produzir.

“Ao fim do mês de setembro no Porto Seco, a unidade de Sant’Ana do Livramento registrou o total de 219 entradas de veículos, sendo 108 no regime de exportação e 111 no regime de importação. O número de saídas de veículos foi de 229, sendo 101 no regime de exportação e 128 no regime de importação”, concluiu o coordenador.

 Falta de mão de obra especializada

Gargalo de Caminhões à espera para o acesso ao Porto Seco

Além do péssimo estado de conservação das rodovias brasileiras, altos custos operacionais e da falta de investimento público e logística para transporte e desembaraço aduaneiro das cargas que circulam pelo território nacional, outro problema enfrentado na região é a falta de mão de obra qualificada.

De acordo com o Diretor do SENAI de Livramento, Luiz Arrieta Júnior, o município enfrenta uma grave escassez de mão de obra para exercer qualquer tipo de atividade que exija um pouco mais de qualificação do prestador de serviço, seja na indústria ou na construção civil. “O SENAI atua desde 1968 na qualificação de mão de obra, através de cursos profissionalizantes e técnicos, e atende às necessidades da demanda local. No entanto, as micro e pequenas indústrias, como as construtoras aqui no município, encontram um gargalo muito grande de mão de obra especializada. Há capacitação gratuita oferecida pelo SENAI e PRONATEC, mas não há interesse humano para a realização do aprendizado para esse segmento”, declarou.Apenas 6,6% dos brasileiros entre 15 e 19 anos estão matriculados em curso de educação profissional, enquanto na Alemanha, esse índice é de 53% (Fonte: CNI).

Estrutura da Swift Armour abandonada

No município, ainda, segundo pesquisa realizada em 2010, pelo IBGE, são oferecidas 3.208 vagas para ensino médio, 513 para ensino de jovens e adultos, totalizando 3.721 vagas, para 1º, 2º e 3º do ensino médio publico. De acordo com a 19º Coordenadoria Regional de Educação (CRE) da cidade, os números de alunos matriculados, por série, são os seguintes: 1º ano: 1325 alunos; 2º ano: 1073 alunos; 3º ano: 722 alunos. Tendo em vista que a quantidade total de estudantes efetivos no Ensino Médio até o início do ano de 2013 é de 3.120 alunos, é possível perceber que 601 alunos evadiram das escolas de 2010 até hoje.

Assim, estima-se que 55% dos jovens de 15 e 19 anos estão fora da escola, ou em níveis de aprendizado atrasado, visto que a quantidade de jovens nessa faixa estaria é de 7.000 pessoas. Subtraindo o número de jovens pelo montante, percebe-se que cerca de 3.880 estão fora das salas de aula.

A grande evasão escolar não decorre somente da falta de vontade desses jovens, e tampouco unicamente pela defasagem que o ensino brasileiro vem sofrendo nos últimos anos, mas principalmente porque pessoas provenientes de famílias com baixa renda, a maioria no País, não veem no Ensino Médio a possibilidade de melhorar suas condições.

A falta de mão de obra especializada e o desinteresse da população local em buscar qualificação profissional nas áreas onde há escassez, afugentam os empreendedores que tenham algum interesse em iniciar ou expandir seus negócios na região, fazendo da fronteira oeste um deserto industrial.

O gargalo na indústria do Estado, hoje, é o mesmo de outrora, quando os produtores rurais do início do século XIX, por motivos diversos, não acompanharam a evolução industrial que se aproximava, concentrando seus negócios em torno da economia familiar, enquanto outros estados investiam em equipamentos, a fim de atender o mercado do interior do País.

Exemplo disso ocorreu com a Swift Armour de Rosário do Sul e Livramento, na década de 1980. Organizada em julho de 1917 aqui na fronteira oeste, iniciou suas atividades como frigorífico e realizava seus abates para a produção de charque, que assumiu importância nacional, tal sua expressividade na época. Foram 65 anos que transitaram entre a esperança, o progresso e a ruína.

A empresa trouxe ao município um enriquecimento econômico que permitiu a estruturação de diversos setores, sem a qual a cidade teria ficado estagnada e sem maiores perspectivas de desenvolvimento, na época. Por outro lado, com o progresso e a modernização das técnicas de abate e corte, os clientes passaram a ficar mais exigentes quanto à qualidade do serviço prestado. Uma evolução que a Swift Armour demorou a entender, perdendo com isso mercado para outras empresas de menor porte, mas que atendiam às exigências desse novo tipo de consumidor, e vendiam seus produtos para outros municípios que pagassem melhor.

Naquela época, o SENAI de Livramento já ministrava cursos profissionalizantes e chegou a qualificar vários funcionários para o frigorífico, mas a resistência dos investidores estrangeiros em abandonar as técnicas artesanais há tanto utilizadas, os cegou para o inevitável. Aquela mudança se tratava de uma evolução natural da indústria, cuja modernização estava diretamente ligada à sobrevivência da empresa.

A Swift Armour encerrou suas atividades no fim do século XX, deixando para trás apenas escombros e sonhos. A população da cidade, com menor poder aquisitivo, perdeu poder de compra e, em grandes massas, migrou para outras cidades.

Migração

Esse, certamente, é outro fator que contribui para a formação de gargalos na indústria. Com a migração das famílias deixando as cidades da fronteira oeste em razão da falta de perspectiva de crescimento, criou-se um desequilíbrio populacional. As pessoas em idade produtiva deixavam seus lares em busca de condições de trabalho e emprego.

Hoje, de acordo com o chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de Livramento, Elinton da Silva Vasconcelos, a estimativa da população local é de 83.702 habitantes, com crescimento positivo. No entanto, constatou-se que nos últimos 30 anos, a faixa etária produtiva, dos 15 a 39 anos, apresentou um número negativo. Nessa faixa, estão concentrados o crescimento populacional e a mão de obra, que apresentou índice negativo, principalmente na década de 2000 a 2010, enquanto na faixa das pessoas com mais de 65 anos, o número foi sempre positivo, sendo constatado o envelhecimento da população.

Para se ter uma ideia, em 1991, havia 5.707 pessoas com mais de 65 anos; já em 2010, esse número era de 9.512 pessoas, quase dobrando a quantidade de idosos, enquanto o número de jovens foi negativo. Para 2013, há uma estimativa de que existam cerca de 13 mil idosos em Sant’Ana do Livramento, segundo informou a Coordenadora da Saúde do Idoso, Elaine Lucas.

Os jovens talentos, impulsionados pelas oportunidades de emprego e pela diversidade de cursos de graduação ofertados em outros municípios, estão deixando a cidade. Com a migração da população em idade fértil para outras localidades, houve uma queda considerável da fecundidade. O número médio de filhos por mulher caiu abaixo da taxa de reposição da população no início da década passada, e continua em trajetória descendente, tendo como efeito a desaceleração do crescimento populacional e o progressivo envelhecimento da faixa etária da população.

Segundo Rivania Franz da Silva, tabeliã do Cartório de Registro Civil de Livramento, em 2012, foram registrados 1.074 nascimentos, 708 óbitos e 12 natimortos. Somente no primeiro semestre de 2013, foram 549 nascimentos, 320 óbitos e 11 natimortos, e pelo que se observa, a cidade continuará com índices negativos por algum tempo.

 Conclusão

Os problemas ora apresentados não se encerram nesse diagnóstico sobre a falta de infraestrutura e logística, e excesso de burocracia, do que entendemos como prioridade na tentativa de eliminar os gargalos da indústria do RS.

Antes de mais nada, é preciso deixar de negligenciar a frágil e delicada situação da indústria gaúcha, para então começar a adotar medidas para sanar as deficiências que prejudicam o transporte de cargas pelo território nacional, e com isso, o desenvolvimento da economia regional.

Certamente, há muito a ser feito, pois o Rio Grande do Sul precisa multiplicar investimentos em educação, inovação, pesquisa e tecnologia, além da maturidade política e redução de impostos. Dessa forma, seria possível estimular a iniciativa dos setores público e privado, para buscarem, juntos, o aumento nos investimentos e na produtividade de ambas as classes, para mais uma vez colocar o Estado na posição de destaque frente à economia nacional, e fazer jus ao tamanho da riqueza que foi construída em cada uma das cadeias produtivas instaladas em seu território.

 

 

 

Texto e Fotos: KATYUSCIA MOURA | Diagramação: JUNIOR PERES

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