A JUIZA E O BOLSA FAMÍLIA

O desabafo abaixo é da juíza Adriana Lins de Oliveira Bezerra, tiular da Comarca de Cajazeiras, Paraíba, em 26 de maio deste ano. 

“Apenas a título de esclarecimento, aos que respeitam opiniões contrárias, e apenas a esses, é que escrevo agora. Fui alvo de críticas e agressões acerca de minha opinião avessa ao ‘Bolsa-Família, programa criado pelo Governo Federal há 10 anos. Grande parte optou por uma justificativa simplista:“Ah, ela é rica, juíza, elite, fala porque nunca passou necessidades, nunca passou fome…”. Pronto! Essa justificativa encerra a questão e resolve o problema. É uma idiotia de quem nada sabe sobre a vida.

“Saibam que não sou rica, nunca fui e nunca serei. Meu salário é bom, e com ele, se Deus quiser, nunca passarei fome nem necessidade, mas lutei por ele; e como lutei! Sofri, estudei, trabalhei e lutei, repita-se. Mas isso é outra estória que em outro momento, se interessar a alguém, posso contar. Contudo, existem outros motivos que levam as pessoas a formarem suas opiniões que não necessariamente as suas condições financeiras. Nunca passei fome, graças a Deus, graças ao trabalho de meus pais, mas, da mesma forma que nunca faltou, também nunca sobrou.”

“Trabalho desde os 18 anos de idade, quando me submeti a concurso público e fui ser funcionária pública, trabalhar oito horas diárias e ganhar menos do que um salário mínimo, apesar da Constituição Federal já vedar tal conduta. Mas como já disse, isso é outra estória. O final de semana que passou retrata exatamente um dos fatores que me levam a formar a opinião que tenho. Um simples “boato” de que o ‘Bolsa-Família’ iria acabar, foi suficiente para causar um caos em várias agências da Caixa Econômica Federal. Uma pessoa me disse que teve que pedir dinheiro emprestado para sair do seu sítio para receber o ‘bolsa-família’, “antes que acabasse”…

“A pergunta é: de que viveriam essas pessoas, se o ‘bolsa-família acabasse? A minha resposta: passariam ainda mais fome do que tinham quando começaram a recebê-lo. E sabem por quê? Porque agora, com a certeza do “benefício”, do óbolo, elas não se propõem mais a trabalhar, ou a estudar e se profissionalizar. Enfim. Estão escravizados à merreca que recebem, como qualquer dependente químico da droga que consomem.”

”É a isso que me oponho. Quando esse “programa social” foi implantado a situação das pessoas era caótica, lastimável. Hoje elas estão sendo tratadas como inúteis, como incapazes. A partir do momento em que se implanta um ‘programa assistencialista’ como esse, sem uma política paralela de reestruturação, de capacitação para o restabelecimento de condições de trabalho, de autossustento, enfim, de busca por uma atividade que traga um mínimo de independência como contrapartida pela ajuda oferecida pelo estado, ou esse estado passa a considerar essas pessoas como não tendo capacidade alguma para tal ou, simplesmente, não se está querendo ajudar, mas tão somente escravizar, ou seja, obter delas a única coisa de valor que têm a oferecer: o seu voto – e a preço módico. É no que acredito.”

“A ONU, embora, por um lado, elogie o programa, por outro critica o assistencialismo populista e demagógico com o consequente apelo político que ele gera. Segundo essa organização internacional, o ‘bolsa-família’ – que antes era chamado de ‘bolsa-escola’ e exigia a contrapartida das crianças e adultos analfabetos estarem cursando o ensino fundamental – rendeu muita popularidade e votos, mas as desigualdades continuam elevadas e os progressos obtidos são pífios. Como programa de caráter emergencial, o ‘Bolsa-Família’ foi importante, mas onde está a tão decantada inclusão sócio-econômica sustentável dos seus beneficiários? O saudoso Luiz Gonzaga já dizia em uma de suas canções, de composição com Zé Dantas: “Seu Doutor, uma esmola para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão…”.

“É nisso que acredito desde muito antes de me tornar Juíza. A Coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil afirmou que, da forma que o programa funciona, não tem sido útil para ela identificar e retirar as crianças do trabalho e que esse programa não tem impacto nenhum na redução do trabalho infantil. Vejam a entrevista de Frei Beto (que não é juiz, mas apenas um ex-clérigo e doutrinador comunista), um dos líderes do ‘Fome Zero’ – outro programa assistencialista caça-votos – e me digam o que acham. O programa existe há dez anos e pouquíssimo foi mudado na vida dessas pessoas. O que foi feito de efetivo para reestruturar essas famílias?”

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