O Instituto da Multa no Brasil

Se você andar caminhando por aí, tenha cuidado para não pisar numa multa.

A sua picada é tão antiga e dolorosa quanto a da serpente.

Fixar e aplicar multas no Brasil é uma prática que remonta aos tempos do império, embora durante algum tempo, na transição do império para a república, tenha deixado de vigorar, voltando depois a ser instituída graças a uma impiedosa e implacável legislação que beneficia o poder em detrimento do cidadão comum. Basta a autoridade policial ou judicial verificar o artigo e o inciso do código penal onde o caso se enquadra, arbitrar o valor e mandar lavrar a sentença. E o réu, seja quem for, que se vire e pague, para não ser preso ou sofrer alguma outra sanção equivalente ou ainda pior.

Enquanto eu aguardava o ônibus numa das paradas da cidade, um cidadão desconhecido começou relatar aos que ali se encontravam um fato relacionado com a justiça do trabalho.

Ele dizia que um amigo seu, desempregado, fizera uma reclamatória trabalhista e ganhara a questão na justiça. Informado por seu advogado de que o valor seria depositado, contraiu um empréstimo contando com o dinheiro daquela indenização. Porém a parte contrária contestou e o autor acabou perdendo a causa.

Embora não fosse mais do que um testemunha do reclamante, pareceu-lhe injusta a decisão final contra o seu amigo, pois o réu, em sua defesa, havia contratado dois advogados, prevalecendo o argumento do empregador. E então, num momento de descontrole emocional, teve a infelicidade de se alterar perante a autoridade judicial, sendo multado em dois mil e quinhentos reais. 

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Um guardador de carros e morador de rua foi detido por policiais militares, com os quais discutiu em função de estar trabalhando sem a devida licença do poder público.

Por ser reincidente, e por haver discutido com os policiais, sua atitude foi considerada como de desobediência e desacato à autoridade.

Sem outro ganho do que o recebimento de gorjetas espontâneas dos donos dos carros que cuidava, foi-lhe concedido pelo ministério público o prazo de dois meses a fim de reunir dinheiro para pagar uma multa de dois salários mínimos, em cestas básicas, a serem entregues a uma instituição social de caridade. 

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E agora um caso ocorrido há mais de cem anos, na comarca de Rosário do Sul, com a bisavó de um saudoso amigo pintor e desenhista. De sua bisavó, que tinha sido escrava de um capitão da guarda nacional em Rosário do Sul, ele guardava um documento em caligrafia, que um dia me mostrou, e que dizia mais ou menos o seguinte: “O Senhor Fulano de Tal, Capitão da Guarda Nacional, autoriza sua escrava fulana a esmolar na via pública para arrecadar a quantia necessária ao pagamento de sua liberdade. Freguesia de Rosário do Sul, aos tantos dias do mês tal de 1.8 ….” O documento estava devidamente chancelado. 

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Atualmente vemos o Supremo Tribunal de Justiça aplicar multas aos réus que roubaram o dinheiro público. Quer dizer, os magistrados substituem a condenação de ressarcimento total do dinheiro roubado por uma multa.

Ora, por maiores que sejam estas multas, sempre beneficiarão os réus, porque jamais cobrirão os prejuízos que eles causaram à economia da nação e da sociedade.

Portanto, sobre as remotas origens da indústria da condenação pecuniária e a legitimidade histórica de sua aplicação pelo Estado ao cidadão comum, não precisamos dizer mais nada.

Porém, se esta prática sobre alvo socialmente indiscriminado é justa ou injusta, eis uma questão a ser examinada e discutida pela sociedade e a legislação reformulada, porque a diferença de uma multa paga por um cidadão de bem e a paga por um criminoso, ladrão do patrimônio público, é que a multa do cidadão de bem é paga com o seu próprio dinheiro, fruto do seu trabalho e sacrifício pessoal, enquanto que a multa do criminoso, corrupto e ladrão, é paga com dinheiro roubado. 

Luciano Machado

 

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