A NOVA POUPANÇA

Não adianta discutir no primeiro plano as qualidades e defeitos da medida Provisória da presidente Dilma Rousseff mudando parcialmente as regras de remuneração da poupança. No centro do palco surge claramente a evidência que o governo está precisando ir ao mercado buscar recursos financeiros que lhe estão faltando. Não há dúvida. Caso contrário não adotaria o caminho indireto pelo qual enveredou. Até porque remete à tragédia de 90, no governo Fernando Collor.
Naquela ocasião, congelou os ativos financeiros dos fundos e das cadernetas de poupança por dezoito meses. O presidente devolveu depois em doze parcelas mensais.
Só que a inflação daqueles dezoito meses – basta consultar a memória do IBGE – atingiu mil e trezentos por cento. E o deflator adotado para a devolução foi de 670 por cento, praticamente a metade. O que significou? Que todos os que possuíam aplicações nos fundos e na poupança perderam a metade de seus valores. Uma tragédia, cuja solução na foi dada integralmente até hoje. Mas esta é outra questão. Pertence à memória financeira nacional.
Agora, com Dilma Rousseff no Planalto, a intervenção não é tão radical. Mas tem de exprimir alguma compreensão. Não faria sentido adotá-la se não produzisse efeito concreto. Não aumenta o rendimento dos poupadores. Se não aumenta, e o reflexo na pode ser igual a zero, é porque diminui. O argumento usado pela Fazenda é, basicamente, o de evitar a transferência dos recurso hoje nos fundos para as cadernetas.
Não convence. Excelente reportagem de Marta Beck, Vivien Oswald, Gabriela Valente e Luiza Damé expõe nitidamente o quadro e, de forma indireta, a impossibilidade de tal migração.
O total de aplicações nos fundos, papeis do Tesouro e Banco Central que lastreiam a dívida mobiliária interna, eleva-se a 2 trilhões de reais, em números redondos. O saldo das 100 milhões de cadernetas existentes no país é de 431 bilhões. A diferença é elucidativa. Como também o fato de o governo não poder diminuir o endividamento interno. Ele gira o montante, pagando 180 bilhões a cada doze meses.
Não pode se livrar do peso dessa dívida. Tampouco zerá-la não interessa aoas bancos. A saída é diminuir os juros desembolsados pela rolagem. Em dezembro de 2002, final do mandato de FHC, a taxa anual atingia 26%. Ao longo de oito anos, Lula conseguiu reduzi-la para 12 pontos. No momento, Dilma os remeteu para 9%. Entretanto, indispensável acentuar que, nos últimos 9 anos, o total da dívida subiu de 760 bilhões para 2 trilhões. Os juros desceram. O endividamento subiu.
Dentro desta realidade é que se operam as mudanças decretadas pelo governo atual. As cadernetas de poupança, mesmo isentas de IR, no ano passado perderam para o IBGE. Renderam 6,17%. O índice inflacionário foi de 6,3 pontos. É fácil segurar o rendimento real das cadernetas, ou seja a correção além da perda do valor do dinheiro. Fernando Henrique recorreu ao estratagema. Lula o manteve. Aplica-se 0,5% ao mês sobre os saldos (431 bilhões) e congela-se a TR.
A Taxa de Referência depende da decisão do Banco Central. Em 2011, foi de 0,17%. Por isso é que a poupança apresentou o resultado concreto de 6,17%. Não houve ganho real e sim estagnação.
Os fundos, caso do Itaú, por exemplo, estão sendo remunerados à base de 0,7% ao mês. Setenta por cento da SELIC. Agora, com ela descendo a 9 pontos, a taxa, mantida a proporção, recua para 0,63. O governo não pode reduzi-la para menos de 8,5 pontos. Como financiaria a dívida interna? É preciso também explicar diretamente que a rede bancária não é devedora, mas sim credora do Tesouro pela SELIC. Não tem vínculo com os juros cobrados no mercado. Mesmo recuando para 2,5% ao mês, por exemplo, são 30 pontos ao ano. A SELIC está em 9%, podendo descer para 8,5. A diferença continua enorme.

O AUTOR

O texto acima é do jornalista Pedro de Coutto, publicado na Tribuna da Imprensa, edição eletrônica. Por ser bem didático, torna-se compreensível a todos diante de tanta confusão sobre aplicações na poupança e motivos que levaram o governo a dotar essa medida.

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