Tiro de laço na vaca a motor: os dois lados da mesma armada discutem tradição e novidade

Enquanto cada vez mais os jovens aderem ao tiro de laço na vaca motorizada, as gerações anteriores discutem a sua validade

Tradição, treino, entretenimento ou, puramente, diversão. O fato é que em todo o Rio Grande do Sul, especialmente em Sant’Ana do Livramento, é cada vez maior o número de laçadores que praticam o esporte na chamada “vaca motorizada”. Por esse conceito, uma miniatura de uma vaca, construída em uma estrutura metálica, estática, colocada em cima de um reboque, geralmente improvisado ou construído artesanalmente, e puxado por uma moto, circula em eventos de forma gratuita, apenas para quem quer exercitar a arte do tiro de laço, ou em competições.

Na onda da novidade, em Sant’Ana do Livramento, cidade que tem registrado um significativo aumento no número de laçadores, muito em função dos treinos realizados na vaca de metal, as competições se espalham pelos bairros e vilas e, todo fim de semana, reunem um grande número de pessoas que, embora sintam falta da combinação homem/cavalo e vaca verdadeira, conseguem ver alguma ponta de emoção em cada armada. 

O domingo dos laçadores

No último fim de semana, por exemplo, dezenas de duplas de laçadores se reuniram em uma pista improvisada, a poucos metros da tradicional Caixa D’Água do Wilson, para participar de mais um certame, em que não faltou narrador, alguns bons cavalos, um público vibrante e significativo e, obviamente, a vaca motorizada.

Sem a preocupação de ter que retirar a vaca da pista, a velocidade entre uma outra largada chega a ser alucinante, o que dá trabalho redobrado para o apontador e os bandeirinhas, que, ao menor sinal de desatenção, podem comprometer os resultados dos laçadores. O narrador, também laçador, entra na brincadeira e fica à vontade para dar o tom sóbrio da atividade, em meio aos anúncios de quem vai partir, subindo ou descendo, sem esquecer que também estava na lista dos inscritos para a competição. No local, moradores da região, em sua maioria, mas também outros, vindos de diversos pontos da cidade, que, ao saberem da atividade organizada por uma entidade tradicionalista instalada nas proximidades, fizeram questão de comparecer e prestigiar o evento.

Durante toda a tarde, a diversão, levada a sério por laçadores de diversas idades, foi o ponto alto do domingo, tanto para quem atirou o laço, quanto para quem assistiu. 

A modalidade, e suas diferenças

Da esq. para a dir.: José Silveira Mendonça, Lúcio Alves, e João Carlos Gonçalves, campeiros, eles dizem sentir falta do tiro de laço feito no animal de verdade

Se por um lado há uma verdadeira legião de jovens, cada vez mais empolgados com a possibilidade de atirar o laço, principalmente nas periferias das cidades gaúchas, incluindo Sant’Ana do Livramento, com a realização da atividade praticamente todos os fins de semana, por outro existem homens que, acostumados com a lida de campo, por força das profissões exercidas ao longo da vida, discordam que esta seja uma prática que possa ser comparada com o verdadeiro tiro de laço, a começar pelo fator principal, ou seja, a vaca.

José Silveira Mendonça, 68 anos, Lúcio Alves, 75, e João Carlos Gonçalves, 62, afirmam categoricamente que a diferença é muito grande. “Me criei laçando, e acho que atirar o laço assim, em uma vaca puxada por uma motocicleta, traria grande dificuldade, embora, apesar da minha idade, tenho certeza de ainda ser capaz de laçar uma verdadeira”, diz José Silveira.

O aposentado, que diz ter se criado atirando o laço nas estâncias da Fronteira, acredita que apenas como brincadeira o tiro de laço deve ser levado adiante, não como uma competição, mesmo porque a emoção não é a mesma. “A gente que se criou laçando vê muitas diferenças. O laço é mais curto, o ginete sabe exatamente a posição da vaca, já que a cabeça não se move, e sabe também a velocidade, ou seja, é muito diferente”, afirmou Lúcio Alves, 75 anos, ao ir além, e falar também da chamada doma racional, que, segundo ele, tira o gosto do animal feito a capricho. 

M.T.G..: Nem contra, nem a favor, porém, sem incentivo

“Isso está se esparramando por todo o Rio Grande do Sul, dada até a dificuldade dos locais e o custo muito alto para a realização de festas campeiras autênticas”, disse o tradicionalista Rui Rodrigues, coordenador da 18ª Região Tradicionalista do M.T.G. (Movimento Tradicionalista do Rio Grande do Sul). Rodrigues disse que esta é uma questão que o M.T.G. não condena, mas com a qual também não compactua, principalmente em competição. “Se for em um fundo de campo, nos fundos de um quintal, em um local bem às escondidas, para não caracterizar isso como atividade campeira do gaúcho, o M.T.G. até não condena. Se for feito um treino para quem vai participar de competições oficiais, não há condenação. A tradição do M.T.G. é bem clara, e diz que tiro de laço se faz com homem/cavalo/gado. Não existe outro. Mas a entidade também não tem como proibir que estas coisas sejam realizadas”, afirmou Rui Rodrigues.

Questionado sobre a possibilidade da modalidade ser vista como um incentivo para a manutenção da cultura do tiro de laço, Rodrigues disse que, nesses casos, onde há a vaca motorizada, é utilizada a nomenclatura rodeio, o que está em desacordo com as regras do M.T.G.. “O que o Movimento Tradicionalista Gaúcho incentiva são as festas campeiras gaúchas, nas quais o tiro de laço é feito com homem, cavalo e gado, sem maus tratos aos animais, com medidas de laço e com as regras completas. Essa é a forma de incentivar, na época certa, e com as entidades possuindo a licença devida para a sua realização”, frisou. 

Com a palavra, o laçador

Jorge Aranda é o que se pode chamar de atleta, considerando que, para muitos, o tiro de laço é um dos esportes preferidos dos gaúchos. Presente na plateia numerosa que assistira ao evento, no último domingo, Aranda foi enfático ao afirmar que a diferença é significativa. “Participo de competições oficiais há cerca de 20 anos, e posso garantir que existe quase 80% de diferença entre uma atividade e outra, embora as duas possam ser chamadas de tiro de laço. A principal diferença é que, na vaca motorizada, o tiro, geralmente, sai quase perfeito. Não existe emoção com relação ao animal, que está sempre do mesmo jeito. A mecânica é só para brincadeira”, afirmou.

 

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