Ainda existem pandorgas no céu…
Proximidade da Semana Santa faz ressurgir, em diversos pontos da cidade, a arte de confeccionar as pandorgas
Que Sant’Ana do Livramento é a cidade que mantém viva a tradição das pandorgas a cada nova Semana Santa, já não resta mais dúvida, há muito tempo. Assim, cada vez mais, em todos os cantos da cidade, surgem interessados em aproveitar o período para preparar as varetas feitas de taquara, o papel, a cola, e os demais adereços que compõem a pandorga, e lucrar.
Carpinteiro, soldador, pedreiro, homem acostumado ao trabalho braçal, e pesado, acostumou-se desde muito cedo a usar as habilidades manuais para garantir o sustento de sua família. Jesus Oli Serpa Pinto, 47 anos, conhecido nas proximidades da Caixa D’Água do Wilson como Duda, está entre aqueles que usam a inteligência para produzir e fazer o bem.
Acostumado a utilizar as ferramentas da criatividade, o homem construiu praticamente sozinho o galpão do Grupo Tradicionalista Tropeiro Velho. Ele diz que seu passatempo é confeccionar coisas que o deixem feliz, e a outros também. Sua relação com as pandorgas é parecida com a de muitos santanenses que se acostumaram a ver, desde muito cedo, a tradição ser passada de geração para geração. “Comecei a fazer pandorgas quando ainda era criança. Eu fazia as minhas e, como sempre tive certa habilidade em preparar os caniços de taquara para que fosse moldada a forma das pandorgas, meus amigos pediam que eu fizesse para eles também. Assim, sempre acabava fazendo de dez a quinze pandorgas, cada vez que chegava uma nova Semana Santa”, revela o homem, que assume que essas ações estão absolutamente relacionadas com o chamado “fazer o bem”.
Nos dias que antecedem a Semana Santa – época em que pelo céu da cidade se multiplicam formas e cores múltiplas das pandorgas, que erguidas por pandorgueiros de todas as idades, insistem em não deixar a tradição desaparecer – surgem também os especialistas no feitio do que para muitos é considerado um brinquedo, mas para outros é tido como algo quase sagrado.
“…Se faço dez pandorgas, geralmente cinco são para dar de presente…”
Jesus diz que, hoje, chega a fazer mais de cem pandorgas, e sempre recebe encomendas das pessoas mais próximas, que já conhecem a sua habilidade. “Faço as pandorgas por diversão, e porque ainda dá para ganhar algum dinheirinho dessa maneira. Mas uma coisa é verdade: se faço dez pandorgas, geralmente cinco são para dar de presente. A gurizada vem e, às vezes, não têm dinheiro, mas têm muita vontade de levantar uma pandorguinha, então eu não me nego a fazer, e dou de presente”, conta ele, entre sorrisos satisfeitos por saber que está fazendo alguém feliz com a sua arte.
Questionado sobre se ainda levanta pandorga na Semana Santa, Jesus sorri e diz que não abre mão desta atividade. “Sou pandorgueiro, sim. Gosto de levantar pandorga. Já cheguei a confeccionar uma pandorga que tinha pouco mais de 50cm e que tinha que ser erguida com linha de costura. A gurizada que estava por perto viu e, pronto, levaram de presente e seguiram a brincadeira”, diz ele.
Pandorgas
Uma pipa, também chamada de papagaio, pandorga ou raia, é um brinquedo que voa baseado na oposição entre a força do vento e a da corda segurada pelo operador. É composta de papel, que tem a função de asa, sustentando o brinquedo. Conforme o modelo, pode contar com uma rabiola que pode ser de sacola, que é um adereço preso na parte inferior para proporcionar estabilidade, mas também pode ser usada uma linha. É um dos brinquedos mais utilizados por crianças, adolescentes e até adultos.
As pandorgas nasceram na China antiga. Sabe-se que por volta do ano 1200 a. C. foram utilizadas como dispositivo de sinalização militar. Os movimentos e as cores das pandorgas eram mensagens transmitidas a distância, entre destacamentos militares. No décimo segundo século, na Europa, as crianças já brincavam com pandorgas. Vale a pena notar, também, o papel desempenhado pela pandorga como aparelho de medição atmosférica. O político e inventor americano Benjamin Franklin utilizou uma para investigar e inventar o Pára-raios. Hoje, a pandorga mantém a sua popularidade entre as crianças de todas as culturas.