Uma barbearia na Tamandaré

Até o início da década de 70, no antigo abrigo dos ônibus da Avenida Tamandaré, em frente ao Palácio do Comércio, havia o salão de barbearia do Ibaldo e do Couto, ambos representantes de duas tradicionais famílias de barbeiros da cidade. E quem ainda hoje não conhece alguém da família Couto ou Ibaldo que não seja barbeiro ou não tenha um parente nessa antiga e honrosa profissão?
Pois ali no Salão do Couto e do Ibaldo se reuniam várias figuras conhecidas daquele tempo. Era também o ponto de encontro diário dos últimos boêmios da fronteira, incluindo seus proprietários.
Lembrando da barbearia da Tamandaré, vou contar um episódio que aconteceu naquela época.
Em 1971, em plena ditadura militar uruguaia, saíamos de um jantar em El Rancho, na Avenida Brasil, eu, meu irmão, o Ibaldo, o Couto, um policial rodoviário e um advogado que eu não conhecia e cujos nomes não recordo.
Na saída do El Rancho, nossa atenção foi atraída para um acidente, na esquina da Avenida Brasil com Agraciada, a meia quadra dali. Um fusca verde, com placas de Cuiabá, havia chocado contra um Prefect de um policial uruguaio.
Do nosso grupo, dirigiram-se ao local o meu irmão, o policial rodoviário e o advogado e tentaram intervir em favor do brasileiro, que estava encerrado dentro do fusca, com os vidros fechados, com medo de sair e ser agredido pelo proprietário do outro veículo, que parecia estar furioso, enquanto aguardava uma viatura com os seus colegas da polícia uruguaia.
Armou-se então uma discussão entre o policial uruguaio, meu irmão, o policial rodoviário e o advogado.
Para resumir a história, quando chegou a viatura, os três foram detidos por terem discutido com o policial, fato que se caracterizava como desacato à autoridade. E como se tratava de um feriado nacional no Uruguai e uma sexta-feira , ficaram incomunicáveis todo o final de semana, até serem ouvidos por el juez e liberados na semana seguinte.
Aliás, naquela noite, a chefatura de polícia de Rivera ficou lotada. Foram “detenidos para averiguación” vários brasileiros num arrastão junto aos bares e restaurantes. Isso, como ficamos sabendo depois, vinha acontecendo semanalmente, por determinação das forças conjuntas uruguaias.
Mas eu e o Ibaldo tivemos sorte. Tínhamos ido até a frente da chefatura para saber se os nossos companheiros iam ficar detidos, e os guardas, armados de metralhadoras, pediram que nos afastássemos dali , para não ser presos também.
O Couto, o Ibaldo, o Beline (meu irmão), o Luis Alberto Aguirre, o João Alvim, o Amaro Cabeda Marques, Danilo Barão de Souza, o tabelião Gutierrez, o jornalista Luis Carlos Vares, os radialistas Adão Fontoura e Darci Neves, o tabelião Roque Pastore, o representante comercial Tomaz Jorge Cano, o funcionário da justiça do trabalho Romano João Nodari, o ex-craque de futebol Setembrino Pinto (Bino), os irmãos Gariazzo, o despachante Rui Lopes dos Anjos, o ex-consul Vicente Quadrado, o chanceler Guedes do Consulado Uruguaio e boa parte dos demais freqüentadores do Salão da Tamandaré hoje são falecidos. Dos sobreviventes, restam muito poucos, para contar alguma história.
Luciano Machado

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