Um novo dilema: O dinheiro fará Felicidade feliz ?

A pensionista santanense Felicidade Camargo Machado, 107 anos, está entre os gaúchos mais velhos a receberem os precatórios da era Vargas

Para os mais jovens, saber administrar os recursos financeiros é missão necessária para prever uma aposentadoria segura. Para as pessoas de meia idade, aproveitar o dinheiro pode ter outro significado, e o resultado pode ser viagens, aposentadoria, descanso. 

Mas e para quem chegou aos 107 anos de idade e, de repente, descobre que tem a receber 120 salários mínimos para gastar como, quando e com quem quiser? Esse é o dilema enfrentado pela santanense Felicidade Camargo Machado, a credora mais antiga da lista preferencial do setor de precatórios do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Pensionista, viúva de um policial militar, Felicidade Camargo recebeu, novamente, a reportagem do jornal A Plateia em sua casa, para falar dos planos, das mudanças repentinas na vida e, segundo ela, das visitas que começaram a aparecer repentinamente depois da divulgação dos valores que teria a receber. Felicidade Camargo foi informada, nesta semana, de que já havia sido depositado o valor referente aos precatórios que tinha para receber desde a época em que o presidente da república era Getúlio Vargas.

Conversa com a Felicidade

A Plateia: O que a senhora planeja fazer com os recursos que irá receber?
Felicidade: Eu quero agora descansar. Vou arrumar a minha casa, colocar um bom alarme e arrumar o meu cantinho para eu ter paz. Agora, estão aparecendo algumas pessoas e até me convidaram para morar com elas, mas eu daqui não saio.

A Plateia: A sua vida já mudou depois dessa notícia?
Felicidade: Essa casa já era minha e agora começaram a aparecer parentes, filhos e outros. Não quero ninguém e quero arrumar para ficar livre de algumas pessoas. Me escurraçaram e agora dizem que me querem. O senhor não acha que eu estou certa? Tenho medo agora que possam mandar alguém me matar por causa desse dinheiro. A gente vê contar como as coisas acontecem por aí. Acredito em Deus, mas tenho medo das pessoas ruins.

A Plateia: A senhora ainda tinha esperança de receber esse dinheiro?
Felicidade: Eu não tinha esperança, mas agora eu tenho. Foram muitos anos esperando, dede a época do presidente Getúlio Vargas. Eles me anunciaram muitas vezes, mas nunca chegava a hora.

A Plateia: Esse é um recurso que está sendo discutido há muitos anos e tem a ver com a profissão do seu marido. O que a senhora acha que ele faria, se ainda estivesse vivo, com esse dinheiro?
Felicidade: Ah, ele certamente iria gastar com mulheres. Na época do Getúlio Vargas, recebíamos o abono dos filhos. Meu marido gastava todo o dinheiro e sempre vinha querendo gastar o valor das crianças, e eu não dava. Lembro de uma agressão que sofri dele quando ele contou que havia perdido dinheiro e eu me recusei a dar. Tivemos cinco filhos, dois morreram e ficaram apenas três. Destes, dois moram em Porto Alegre, e apenas minha filha mais nova vem aqui me visitar.

A Plateia: Dona Felicidade, depois que se espalhou a notícia do seu recebimento dos precatórios, seus filhos que moram em Porto Alegre voltaram a lhe procurar?
Felicidade: Eles só telefonam agora para saber como eu estou. Apenas minha filha que está aqui que é minha procuradora.

A Plateia: E agora, a senhora vai descansar?
Felicidade: Sim, porque eu trabalho até agora. Faço todas as lidas de casa sozinha, sem precisar de ajuda, mas me sinto cansada. Vivo judiada, cansada, mas não vou passear. Estou acostumada a estar dentro de casa. Depois de perder a família a gente não sente graça em mais nada. Eu nem vontade sinto de sorrir de tanto sofrer. Não sei é bobagem isso que eu estou dizendo, mas é a mais pura verdade.

A Plateia: A ideia é reforçar a segurança da sua casa?
Felicidade: Eu não tinha descanso, e agora vou ficar mais tranquila. Essa minha filha que ainda mora aqui na cidade é quem cuida das coisas. Eu não quero sair daqui, porque meus filhos estão longe. Se eu abandonar a minha casa, tenho medo que outros tomem conta.

A Plateia: Como a senhora reagiu quando lhe contaram que os valores dos precatórios seriam pagos?
Felicidade: Eu fiquei quieta e ainda não acredito. Só vou estar certa disso no dia em que eu receber. Faz muitos anos que dizem que vai vir nesse mês ou no outro, e o dia nunca chegou. Agora que sei que saiu na A Plateia estou mais esperançosa. Esse Deputado (Frederico
Antunes), com quem conversei, também me deu muita esperança.

A Plateia: A senhora se sente bem com a possibilidade de ter um pouquinho mais de dinheiro para ter mais conforto na velhice?
Felicidade: Nessa minha idade, de criança, apenas sete anos (risos), já que passei dos cem, vocês não sabem como eu sofro. Às vezes, nem eu me compreendo direito.

Tenho tudo, mas se der para aproveitar um pouquinho, vou aproveitar. Trabalhei durante 50 anos para criar os filhos, os tataranetos, enfim, nem lembro mais.

Felicidade Carmargo Machado

A Plateia: A senhora sente falta de quê?
Felicidade: Tenho tudo, mas se der para aproveitar um pouquinho, vou aproveitar. Trabalhei durante cinquenta anos para criar os filhos, os netos (que nem lembro quantos são), tataranetos, enfim, nem lembro mais.

A Plateia: Se a senhora tivesse 50 anos a menos, o que faria com esse dinheiro?
Felicidade: Iria montar um pequeno comércio para trabalhar. Eu não iria me casar. Depois de sofrer muito, eu não repetiria isso. Estou viúva há muitos anos (nem sei quanto), e me acostumei a viver sozinha. Nem lembro quantos anos eu tinha quando meu marido morreu. Eu sou uma pessoa que sofreu muito na vida. Vi meus irmãos sofrerem também e me criei assim. Agora, está tudo moderno, as coisas são diferentes.

A Plateia: Do que a senhora mais sente falta atualmente?
Felicidade: Eu sinto falta de algo que não sei explicar direito o que é. Acho que é saudade da minha mãe, dos meus irmãos (lágrimas e uma pausa longa e silenciosa). Sinto saudade da minha família, porque a gente sempre estava junto. Éramos quinze irmãos. Todos morreram e fiquei sozinha. Perdi amigas, pessoas queridas nessa vida, enfim, tudo vai terminando. Graças a Deus não sou doente e vou vivendo.

A Plateia: A senhora está feliz?
Felicidade: Não tenho nenhuma doença, isso me deixa tranquila e um pouco mais feliz. Também não tomo nenhum tipo de remédio, nem para a pressão. Meu médico diz que eu tome apenas chazinho (risos).

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