O misterioso poder da lua
No clássico “Drácula”, de Bram Stoker, consta que as criaturas mais sensíveis são capazes de perceber à distância a aproximação de um vampiro e de ficar ou não sob sua influência, como era o caso dos nativos da região da Transilvânia que viviam próximos ao seu castelo e que serviam ao Conde Drácula, como ciganos e camponeses, algumas aves e animais (cães, lobos, morcegos) e pessoas com problemas mentais.
Esse estranho poder é o mesmo que os gatos e as serpentes exercem sobre os passarinhos e outras pequenas presas que, em vez de fugir, ficam paralisadas de terror e se deixam apanhar.
No livro de Bram Stoker e também no filme baseado em sua obra, vemos a figura do louco que estava preso numa cela do hospício, que caçava moscas para comer e ficava cada vez mais agitado com a aproximação do “mestre” que à distância de quilômetros se comunicava mentalmente com ele. Outra coisa que deixava esse louco alucinado era a luz da lua cheia ao passar pelas grades da janela.
Numa das séries ou novelas de televisão cujo nome não me ocorre agora, mas lembro que era com o ator Osmar Prado, ele fazia o papel de um sujeito que se transtornava nas noites de lua cheia.
Essa misteriosa influência da lua sobre os animais e os doentes mentais, eu mesmo pude constatar:
Há uns dez anos ou mais, passei um mês na cidade de Quaraí. Eu me lembro que era verão e os dias e noites eram muito quentes.
Como eu não conhecia ninguém, fui recomendado pelo escritor Arlindo Coitinho ao radialista santanense Luis Mário Osório, que residia lá desde a década de 60. Ele tinha um programa musical noturno numa das rádios de Quaraí que durava quatro horas, das oito horas até a meia noite, todos os dias. Sendo bem relacionado, o Luis Mário me apresentou a várias pessoas da comunidade.
Durante o dia eu fazia visitas e vendia meus livros e na parte da noite ia para a Rádio e ficava acompanhando o programa do Luis Mário, cujos ouvintes solicitavam músicas por telefone. Depois da meia noite íamos fazer um lanche na praça central da cidade. Essa praça era, na época, rodeada de carros-lanche, mas sempre nos dirigíamos ao trailer do Quico, que ficava num lugar da praça quase em frente à Câmara de Vereadores.
Uma das características do Luis Mário era a sua bondade em pagar lanches para os doentes mentais e mendigos que infestavam a praça. E todos eram amigos dele. “Os meus irmãozinhos”, como ele dizia.
Numa dessas noites em que estávamos ali, apareceu um sujeito com uma velha chaleira, uma cuia com erva e uma bomba e, passando por nós, se dirigiu a uma torneira da praça, encheu a chaleira e sentando-se num banco, começou a tomar mate com água fria.
“O que tu queres comer?”, perguntou o Luis Mário.
“Qualquer coisa”, respondeu o rapaz.
Então o Luis Mário pediu ao Quico que lhe desse um cachorro-quente e depois me disse quem era, pois conhecia a história de todos aqueles que perambulavam por ali durante a noite. Esse rapaz era filho de um fazendeiro do município, que de tempos em tempos ficava mal da cabeça e abandonava a casa do pai, vindo dormir ao relento na praça, junto com os outros moradores de rua.
Notando que eu tinha ficado impressionado com a história, me disse:
“Tu sabe, Luciano, nas noites de lua cheia eles começam a gritar e ficam bem alucinados, até mesmo agressivos. Hoje vai ser uma dessas noites.”
Naquela noite, que justamente era de lua cheia, ficamos conversando na praça até às seis horas da manhã.
A partir de determinado momento, a todo o instante, brotando da penumbra e da névoa noturnas, misturado com o uivo dos cachorros, se ouvia o clamor dos habitantes da praça, sempre que a lua cheia, por trás das nuvens, reaparecia no céu.
O Luis Mário Osório faleceu há mais de dez anos em Uruguaiana. Além de radialista, era um boêmio, cantor de tangos e boleros.
Luciano Machado
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