À vera

O protótipo do herói brasileiro canta, ingere altas quantidades de cerveja, mora na vila, integra a comunidade, pilota um quadriciclo e tem nome comum. Não tem poderes mirabolantes, está fadado à morte como única certeza da vida. Zeca Pagodinho deixou a vida lhe levar pela garganta, entoando samba da melhor qualidade. Permanece o mesmo afilhado de Beth Carvalho.
Herói? Bem, essa, no conceito comum, não seria a palavra mais adequada. Até podem criticar a atitude do Zeca, buscando ajudar as pessoas de sua comunidade diante do aguaceiro que se abateu sobre Xerém.
Com o maior número de desalojados – são 1 mil – depois das fortes chuvas que acometeram o Estado do Rio de Janeiro na quarta e quinta-feira, o Ministério da Integração Nacional vai liberar nos próximos meses de R$ 25 a R$ 35 milhões para a reconstrução de três pontes e compra de suprimentos para a população afetada por deslizamentos nas margens do rio Capivari, em Xerém, distrito de Duque de Caxias.
“Dá nojo de político” – disse Zeca Pagodinho em alto e bom som, durante entrevita.
De acordo com a prefeitura de Duque de Caxias, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) será firmado amanhã junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) para garantir a transparência no gasto do dinheiro que será repassado ao município.
Até aí, tudo dentro do esperado. Acontece, entretanto, que não se trata de uma situação isolada e aí está a razão da afirmação do Zeca nessa questão. Basta procurar que o cidadão vai encontrar informações sobre janeiro de 2011, quando a baixada fluminense enfrentou a maior tragédia climática da história do Brasil. Foram 918 mortos e mais de 215 desaparecidos após as fortes chuvas que atingiram sete municípios da região. Antes disso, em 2010, uma série de deslizamento deixou 30 mortos em Angra dos Reis nas primeiras horas do dia 1º de janeiro. O deslizamento de uma encosta atingiu uma pousada e sete casas na Ilha Grande, matando pelo menos 19 pessoas.
Está visto que as autoridades lá no Rio, a exemplo do que pode ocorrer aqui em algumas regiões do Rio Grande do Sul, assim como em qualquer outro estado, estão deixando passar algo importante: não adianta querer construir ou povoar zonas onde há risco de deslizamentos. É uma lógica. A obviedade é ululante.
Quanto a Zeca Pagodinho, fica evidente pelo que foi possível assistir na televisão, que sua indignação retrata o que sente o cidadão comum, que acaba perdendo tudo pela ineficiência do Estado. Ele, o Zeca, tem dinheiro e não precisa se preocupar em repor qualquer coisa, mas esse cidadão deixa transparecer que é, mais do que um ser humano, um brasileiro ciente de seu dever para com seus semelhantes.
Pode se interpretar o alerta de Zeca como um alarme.
Algo como aqueles alarmes barulhentos que a gente assiste nos filmes de guerra na iminência de um ataque aéreo.
É à vera – para usar uma música famosa do Pagodinho. Essa é a questão, é vida real. As questões do clima precisam estar mais presentes no planejamento que as autoridades devem – pelo menos em tese – realizar no que tange às cidades.
Se, por um lado, os santanenses dizem Graças a Deus pelo fato de não ocorrerem situações do gênero aqui, por outro, também podem pensar que o papel das autoridades deveria ser mais preventivo do que curativo. Isso vale para o Rio de Janeiro, como vale para qualquer outro ponto do País.
Quanto a heroísmos… Bem, é melhor não precisar deles, pois são o resultado do desespero ante a ausência da prevenção.

 

Notícias Relacionadas

Os comentários são moderados. Para serem aceitos o cadastro do usuário deve estar completo. Não serão publicados textos ofensivos. A empresa jornalística não se responsabiliza pelas manifestações dos internautas.

Deixe uma resposta

Você deve estar Logando para postar um comentário.