Para não esconder a história

Volto a um tema sobre o qual tenho particular interesse e que diz respeito a todos aqueles preocupados em conhecer a história: o direito de pesquisadores, jornalistas e escritores publicarem o resultado de seu trabalho quando se tratar da biografia de figuras públicas.
Ocorre que há uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) junto ao Supremo Tribunal Federal, reivindicando mudanças no Código Civil, que hoje exige prévia autorização de biografados ou herdeiros para a publicação de livros ou obras audiovisuais.
E a Advocacia Geral da União, que representa a Presidência da República, manifestou-se contra a ADIN, pedindo a prevalência de dois artigos do Código e que contrariam a liberdade de expressão assegurada na atual Constituição da República.

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Aproveito a oportunidade do tema para falar da minha experiência pessoal.
Entre outros, escrevi dois livros biográficos: Loureiro da Silva, o Charrua, minha estreia, e pelo qual recebi o Prêmio Açorianos de Literatura de 2003, e Cyro Martins, o homem e seus paradoxos, de 2007.
Em ambos os casos, havia, como sempre há, episódios e características pessoais do biografado que a família não gostaria de ver expostos à opinião pública.
Assim, numa das tantas entrevistas com descendentes do político e administrador Loureiro da Silva, surgiu a questão do seu relacionamento com a jornalista Gilda Marinho, personagem importante da crônica social gaúcha.
Houve certa oposição, com a tentativa de minimizar o episódio. Argumentei que omitir aquele fato, conhecido pelos contemporâneos dos dois personagens, tiraria da obra toda a sua credibilidade. E a história do romance dos dois está lá, para ser conferida.
Já no caso de Cyro Martins, fui convidado para escrever o texto final da biografia pela filha do médico e escritor, Maria Helena Martins.
E justiça lhe seja feita: quando disse a ela que só aceitaria o encargo se não houvesse qualquer restrição ao conteúdo do texto, ela concordou de imediato. Tivemos, eu e a jornalista Nubia Silveira, coordenadora da equipe de pesquisa, ampla e total liberdade para expor a história verdadeira de Cyro Martins, inclusive seus paradoxos.

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Tenho interesse em pesquisar outros personagens da história gaúcha. Muitos deles têm extrema significação para que se possa melhor compreender o que ocorreu ao longo do nosso passado. Mas só o farei depois que essa questão estiver definitivamente resolvida. Não há como submeter-se à vontade de herdeiros que, muitas vezes, sequer conheceram seus ascendentes.
Pior será para a verdade e a história se prevalecer a atual legislação.

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A partir de agora, esta coluna passa a ser publicada também pelo jornal Minuano, da histórica cidade de Bagé. Minha saudação aos leitores bajeenses.

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