Limites do jornalismo e do poder

A edição do jornal Folha de São Paulo do último domingo é excelente para quem queira conhecer na prática o que são a liberdade de imprensa e os limites do poder.
Entre o noticiário sobre as travessuras da sra. Rosemary Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, está uma nova informação: ela conseguiu que uma empresa do Banco do Brasil contratasse a firma que tem seu marido, João Vasconcelos, como diretor e um genro como sócio.
A empresa se chama New Talent e recebeu R$ 1,12 milhão da Cobra, braço tecnológico do BB, num contrato com dispensa de licitação, por um trabalho de reforma das instalações da Cobra. As assinaturas do marido e do genro, Carlos Alexandre Damasco Torres, estão no contrato.
Foi assinado em maio de 2010, quando o vice-presidente de tecnologia do BB era José Luiz Salinas, apadrinhado do ex-ministro José Dirceu e do deputado Ricardo Berzoini.
Quem fez a intermediação, obtendo inclusive um documento supostamente falso, segundo a Polícia Federal, comprovando a capacidade da empresa de prestar o serviço, foi Rosemary, a Rose. Isso é informação, não desmentida por ninguém, até porque nenhum dos envolvidos no episódio se dispôs a falar à imprensa.

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Na página ao lado, da mesma edição da Folha, está a manifestação do ex-ministro José Dirceu. Ele também não desmentiu o noticiário.
Cuidou apenas de denunciar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que agora “chancela e apóia” aquilo que ele definiu como “Operação Mensalão 2”:
“O ex-presidente – disse ele – devia ter o recato e a humildade de se calar, e não usar essa questão para fazer crítica ao ex-presidente Lula.”
Para José Dirceu, “há um novo udenismo que age como no passado, de novo a serviço do conservadorismo e dos privilégios de certa elite…” e segue numa linguagem e num discurso repetido e desacreditado.
Essa também é uma informação, mesclada com opinião.
Pode-se achá-la bizarra, a opinião, mas assim é.

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E, finalmente, uma opinião, da ombudsman do jornal, Susana Singer, ao analisar a questão da privacidade dos homens públicos.
Seu trabalho é criticar a própria Folha, sempre que necessário, e explica:
“Sem usar a palavra “amante”, o jornal conta que, nas 23 viagens internacionais em que Rosemary acompanhou Lula, a então primeira-dama, Maria Letícia nunca estava. Segundo a reportagem, havia um esquema especial que permitia o acesso à suíte presidencial nessas escapadas”.
E pergunta: “A Folha invadiu a privacidade de Lula? Sim. Era necessário? Sim.”
Por quê? Porque o relacionamento Rose-Lula resvala para a esfera pública. “Se o ex-presidente tiver incensado Rosemary por causa de um romance, isso teve conseqüências políticas”, pois segundo a Polícia Federal, Rose conseguiu “colocar, em postos-chaves do governo, amigos corruptos, que vendiam pareceres jurídicos favoráveis a empresários”.
Quer dizer: há limites, tanto para o jornalismo como para os poderosos de plantão, no quesito privacidade.

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