Mia Couto, o conferencista

O “Fronteiras do Pensamento”, já tradicional ciclo de conferências promovido por empresas gaúchas, sob o comando da Braskem, encerrou a versão deste ano da melhor forma possível.
Mia Couto, um dos grandes literatos da atualidade, correspondeu a todas as expectativas: foi humilde, foi erudito e foi sereno; brincou com o auditório quando preciso; contou histórias simples e humanas, o que encantou a todos e também se aprofundou em temas que embalam fronteiras e pensamentos.
O título da palestra foi criado por ele pouco antes de iniciá-la, e apenas porque os organizadores lhe perguntaram qual era. Ele respondeu: repensar o pensamento. E justificou: o pensamento serve para um revisitar permanente.
Mia Couto, nascido em Moçambique, é um dos autores mais expressivos de língua portuguesa, e um dos maiores nomes da literatura africana.
Tem livros de contos, poesias, romances, e aproveitou a viagem ao Brasil para lançar, em Porto Alegre, seu título mais recente, A Confissão da Leoa, uma história vinculada à terra onde nasceu, um dos seus temas preferidos.
O romance acontece numa aldeia moçambicana que passa a sofrer o ataque de leões: eles devoram as mulheres do lugar. Um caçador e um escritor são enviados até lá, um para exterminar os animais, outro para documentar a caçada.
A história, mais que isso, é a realidade de mulheres que já viviam numa sociedade arcaica, em que os perigos, maior que as feras, vinham de uma cultura patriarcal:
- Antes de serem devoradas pelos leões, elas já haviam sido devoradas pela vida que viviam, explicou Mia Couto.
Ele começou a palestra falando sobre a origem da palavra fronteira, nascida na linguagem da guerra. Maior que os limites por ela estabelecidos é o desejo do homem de ser livre. Por isso é que nasceu, em plena guerra, um código possível de ser transmitido no escuro, porque os soldados queriam se comunicar, acima de qualquer outra vitória. E desse código de esperança nasceu o Código Morse.
Rasgou-se em elogios ao Brasil, não para ser apenas cordial, mas para dizer que, se Bush invadiu o Iraque usando a mentira das armas de destruição em massa, o Brasil tem em sua simpatia uma arma de construção massiva.
- Simpatia é a capacidade de cada um ser o outro.
O público gostou quando ele disse que o discurso do politicamente correto “é um crime contra nossas sociedades e sua originalidade”.
Ao final, foi aplaudido de pé, depois de cunhar a expressão “fronteiras da esperança”.

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Frases esparsas de Mia Couto, de um site português:

- A nossa língua comum foi construída por laços antigos, tão antigos que por vezes lhes perdemos o rasto.

- Quando já não havia outra tinta no mundo o poeta usou do seu próprio sangue. Não dispondo de papel, ele escreveu no próprio corpo. Assim, nasceu a voz, o rio em si mesmo ancorado. Como o sangue: sem voz nem nascente.
- A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.

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