A Comédia Humana

Quando Dante escreveu a Comédia, não tinha a intenção de a chamar de Divina; esta palavra foi agregada mais tarde ao título original. Mas ali, na Comédia, ele vai mostrando um a um, nos círculos do inferno e do purgatório, todos os pecados e tipos de castigo a que estariam sujeitos, desde os antigos filósofos gregos, até os contemporâneos do autor. De lá para cá já se vão 600 ou 700 anos. Depois disso, o escritor francês Honoré de Balzac (1799/1850) reuniu toda a sua obra sob o título geral de “A Comédia Humana”. Em ambos os casos não se tratava de mera ficção literária, mas de um retrato da sociedade, sob vários aspectos.

Hoje, diante das farsas, imoralidades e trapaças do mundo, tudo poderia ainda ser enquadrado numa grande comédia humana, desde a política, com os seus roubos e falcatruas; a criação de leis, impostos, taxas e tributos somente para onerar, sacanear, desviar recursos, prejudicar o orçamento das pessoas e a economia e jamais para o bem estar da sociedade; os golpes contra o cidadão, o contribuinte e o patrimônio público, em todos os níveis políticos e administrativos; a decadência e a desmoralização da arte (qualquer um faz ou pinta o que quer e expõe como obra de arte); a decadência da música através da vulgaridade, das letras de duplo sentido, da mediocridade e do lixo musical; o descrédito das instituições (roubos, engodos, mentiras, enriquecimentos ilícitos, taras, profanações, assédios, escândalos, etc. ); a prepotência de alguns indivíduos, investidos de autoridade, que em nome da lei e por qualquer motivo atacam, maltratam, multam, prendem ou mandam prender o infeliz morador de rua e o humilde trabalhador enquanto deixam livre e ainda bajulam os facínoras e canalhas a quem realmente deveriam perseguir, atacar, punir, multar, prender, processar e condenar; a conseqüente perda progressiva de confiança nos poderes constituídos, tribunais e autoridades, em que muito raros merecem ser apontados como honrosas exceções, a exemplo do que representaram e ainda representam notáveis figuras públicas, íntegras e incorruptíveis, como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Darcy Ribeiro, Dilson Funaro, Celso Furtado, Paulo Paim, Marina Silva, Ana Amélia Lemos e agora Joaquim Barbosa, ministro do STF, por sua atuação contra a criminalidade política e a impunidade.

E para não se estressar ou amargurar muito, a sociedade se divide, se distrai, se entretém, se apassiva, se deixa hipnotizar, enganar e anestesiar com os discursos das campanhas pré-eleitorais e suas promessas duvidosas; com o aparato cerimonioso e a teatralidade das assembléias parlamentares; com os anunciados projetos sociais que estão mais para o cinismo e a hipocrisia demagógica do que para solucionar os dramas reais em que vivem de modo permanente as crianças, jovens e adultos das periferias; com os carnavais; com os preparativos da copa do mundo; com os programas e novelas de televisão; com o teatro, o cinema, o futebol e outras modalidades recreativas; com as pequenas tragédias alheias; com as crises econômicas anunciadas todos os dias; com a miséria, a fome, a doença, as mazelas sociais do quotidiano e a grande expectativa, quase doentia, do fim do mundo, embora se saiba que o mundo, em face de tudo isso, vem terminando aos poucos.

Quer dizer, um circo é necessário, como era o circo romano, e o mundo inteiro se transformou num grande circo, num grande picadeiro, no palco da Comédia Humana, como sempre foi, com seu baile de máscaras, seus atores, mágicos, palhaços, músicos e dançarinos para iludir, distrair e fazer rir; para desviar a atenção do povo das trapaças, bandalheiras e falcatruas que acontecem todos os dias.

(Luciano Machado)

 

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