A censura interesseira dos parentes

Há um novo e importante enfrentamento jurídico entre liberdade e censura.
A questão não chega a ser propriamente nova.
Acontece que, agora, a Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) decidiu encarar o problema de frente.
Ingressou com uma ação, no Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicando a declaração de inconstitucionalidade da exigência de prévia autorização dos herdeiros para que sejam publicados livros ou obras audiovisuais em que forem eles citados.
Um dos argumentos é que se criou com isso o que chamam de “censura privada”, pelo direito dessas pessoas de decidir o que pode ou não pode ser de conhecimento público.
De outra parte, surgiu o que nos meios editoriais está sendo chamado de “mercantilização da honra”, quer dizer, se o acordo financeiro for bom para os herdeiros, pode-se publicar o que quiser, inclusive aquilo que, originalmente, era considerado ofensivo.
Estamos falando dos artigos 20 e 21 do Código Civil.
Por eles, também livros de não ficção e programas de TV estão sendo questionados por parentes de personagens históricos ou nem tanto. O objetivo é claro: negociar altas somas de dinheiro para permitir a divulgação.

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Os exemplos são muitos.
Quem não lembra da proibição de “Roberto Carlos em Detalhes”, biografia escrita pelo historiador Paulo César Araújo, em 2007? Tenho um exemplar, presenteado por um colega, por ele adquirido antes que a publicação fosse recolhida das livrarias.
Qual o problema do livro?
Talvez ele apenas não seja tão laudatório quanto gostaria o cantor de “Detalhes”, porque de resto não vi nele nenhuma inverdade.
Nelson Motta, por sua vez, teve problemas com “Noites Tropicais”, um livro sobre a história da MPB. Ele foi processado por um dos personagens e condenado em primeira instância.
- A tese da juíza era de que só a própria pessoa pode contar a sua história. Então, se morre, a história acaba – justificou Motta, que conseguiu reverter a decisão em segunda instância.
De toda forma, ele trata, agora de fazer um acordo prévio com os herdeiros, como aconteceu com a biografia de Tim Maia.

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Ruy Castro, autor de excelentes biografias, como “Anjo pornográfico” (Nelson Rodrigues), e “Carmem” (Carmem Miranda), não concorda.
- Enquanto esse dispositivo do Código Civil não cair, não chego nem perto de biografia – disse ele.
É absolutamente indispensável, como se vê, que o STF acolha a ação da Anel, que deve ser patrocinada também pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, sob pena de a nossa história se tornar totalmente inverídica, oficial e insossa.
Filio-me àqueles que, como Ruy Castro, consideram não ter sentido trabalhar num longo projeto de biografia para vê-la “empacar por causa de herdeiros oportunistas que, em muitos casos, nem gostavam do parente ilustre”.
E produziu uma bela boutade:
- O biografado ideal é solteirão, órfão, filho único, estéril e broxa.

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