Tesoura, navalha, creme e precisão: segredos que poucos “barbeiros” ainda guardam

Profissão em extinção: resistindo ao tempo e à modernidade, barbeiros que ainda atuam em Sant’Ana do Livramento lutam para permanecer em um mercado cada vez mais exigente quando o assunto é estética  

Jovens, muitas vezes influenciados pelos pais, aprendem aos poucos a entregar seu rosto e cabelo ao barbeiro

Alegria e satisfação na realização das tarefas diárias. Capacidade para atuar como consultor, conselheiro, psicólogo, ouvinte, e etc. Sensibilidade, presteza e atenção para não errar nos detalhes, considerando que muitas vezes, tais detalhes, podem significar um acidente desagradável, ainda mais quando o profissional usa uma navalha e o cliente está completamente entregue em uma cadeira. Para muitos, ele é um profissional indispensável.

Para outros, porém, com o advento de modernos equipamentos criados para deixar a barba cada vez mais fácil de fazer e o cabelo mais fácil de cortar, ele tornou-se dispensável. Barbeiro, profissional que se fosse um artigo de consumo, seria considerado em extinção.

Aos poucos, a tradição dos santanenses de frequentar as barbearias vai se perdendo com o tempo, e os poucos profissionais que ainda atuam no mercado, resistindo ao tempo e às modernidades, ficam mais ameaçados pela ausência de tempo daqueles que preferem fazer a barba e cortar o cabelo em locais que são a cara do futuro.

Nos velhos salões, porém, ainda há o requinte dos detalhes, que somente são dados a cada cliente pelas mãos firmes, em ações quase cirúrgicas de homens que aprenderam com o tempo a conhecer as manias de cada um. Sant’Ana do Livramento já chegou a ter quase trinta profissionais barbeiros atuando ao mesmo tempo, esparramados por salões sempre lotados, onde agora outros tipos de comércio estão instalados. Muitas navalhas silenciaram. Muitas gargalhadas após boas piadas contadas já não podem mais ser ouvidas, assim como as discussões sobre os resultados do futebol do fim de semana, porque clientes e barbeiros, hoje, estão em outro plano espiritual.

Porém, para quem resiste ao tempo, experiência e credibilidade são as ferramentas ainda capazes apróximar clientes remanescentes e poucos jovens que, muitas vezes, influenciados pelos pais, aprendem aos poucos a entregar seu rosto e cabelo ao barbeiro.

Entre artistas e autoridades, os poucos barbeiros resistem ao tempo e ao mercado

Um acostumado com os artistas, o outro com autoridades. Jayme Couto e Renato Salgado integram a lista de profissionais quase em extinção, mas que insistem em lutar contra o tempo e permanecem trabalhando  

Jayme Couto (em pé) tem nas mãos a responsabilidade de quem aprendeu a deixar impecável a aparência de grandes autoridades como o ex-sub comandante geral da Brigada Militar e do 2° RPMon, Coronel Lauro Binsfeldt

Para o barbeiro Renato Salgado Ibaldo, 54 anos de idade e mais de 25 de profissão, o tempo é um obstáculo a ser vencido. Sem pensar em aposentadoria, o barbeiro dos artistas, como é conhecido em Livramento, vê sempre o aparecimento de antigos e novos clientes no salão localizado na rua Silveira Martins. Nas paredes, cartazes e fotos que comprovam que na sua cadeira, e entregues aos seus cuidados, já passaram, nomes famosos da música do Rio Grande do Sul, como Nelson Cardoso, Adair de Freitas, além de artistas ainda considerados amadores, mas que não abrem mão dos serviços profissionais e altamente recomendados do barbeiro Renato.

“Essa atividade vem de berço. Meu pai tinha barbearia e eu aprendi olhando o que ele fazia”, contou Renato entre uma tesourada e outra ao aparar o cabelo do seu cliente. “Para mim, o grande segredo do bom barbeiro é fazer sempre o serviço bem feito. Aqueles que vêm ao meu salão para cortar o cabelo ou fazer a barba, faço questão de tentar com que volte outras vezes. Aqui, a clientela está se renovando e ainda vale muito a pena ser barbeiro”, diz ele, com visível tom de orgulho com a vida que leva. Ao falar dos segredos da barba bem feita, Renato Salgado diz que a espuma e bom trabalho feito com o pincel são a principal regra para que o trabalho fique caprichado. “A cidade tem outros bons profissionais que ainda resistem ao tempo”, revelou. Ao ser questionado sobre os segredos do corte de cabelo de dois dos seus mais ilustres clientes – Nelson Cardoso e Adair de Freitas – Renato Salgado falou um pouco do cotidiano de dois nomes que são referência para o cancioneiro do Rio Grande do Sul. “O Nelson Cardoso, por exemplo, é um homem que reconhece o momento de cortar o cabelo somente pelo peso. Ele sempre diz que ao passar o pente, já sabe que tem que vir ao meu salão. Então, quando ele chega, eu desbasto a parte de cima, corto as pontas, sempre a meu critério, sejam dois ou três dedos, e entrego o pente para ele. Nesse momento, quando ele se olha no espelho e dá a primeira passada com o pente nas “melenas”, já sabemos se ficou bom ou não. Já Adair de Freitas possui um ritual mais simples. Chega, faço o corte com tranquilidade e com a paciência que ele mesmo transmite e, em poucos minutos, sai do meu salão mais um cliente satisfeito”, afirmou. 

O corte do Coronel 

Se de um lado há um barbeiro que recebe artistas em seu estabelecimento, a apenas algumas quadras da li, na rua Rivadávia Corrêa, há outro barbeiro acostumado a fazer a barba e cortar o cabelo de autoridades.

Jayme Arci Macedo Couto, 69 anos de idade e atuando há 54 anos na profissão, diz que fazer o trabalho com alegria é o grande segredo da profissão. “Eu via os meus irmão fazendo esse ofício. Eu saía do colégio e ficava olhando meu irmão trabalhar. Um dia, ele começou a me repassar o trabalho. Quando completei 15 anos de idade, precisaram de um barbeiro no antigo Salão Negrito, e lá estava eu trabalhando, e deslanchei”, afirmou ele, enquanto tinha sentado na sua cadeira o Coronel Lauro Binsfeldt, ex-comandante do 2° RPMon e ex-sub comandante geral da Brigada Militar. Para Jayme Couto, o segredo da barba bem feita está na mão do barbeiro. “Uma aguinha morna e gilete nova (trabalho com a gilete azul há mais de 40 anos). Tem que ter a mão delicada e cuidar sempre a direção da barba do cliente”, revelou ele, ao receber elogios do cliente ilustre, que estava recebendo o corte de cabelo e que frequenta o mesmo salão há mais de 20 anos. Cliente antigo, Lauro Binsfeldt diz que a confiança no trabalho do profissional e a certeza do bom trabalho foram alguns dos fatores que o transformaram em um cliente fiel e cativo.

“Sou um cara feliz. Ganho meu dinheiro me divertindo e trabalhando com alegria. Hoje meus clientes são meus grande amigos”, finalizou Jayme Couto.

Cleizer Maciel
cleizermaciel@jornalaplateia.com 

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