Meio século de histórias de jornal

Completo, neste mês de agosto, cinquenta anos de jornalismo em Porto Alegre.

Ingressei no Diário de Notícias às vésperas de um dos mais importantes fatos políticos do século passado: a Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola, a partir dos porões do Palácio Piratini.

Toda a equipe de repórteres foi designada para a cobertura daquele episódio de curta duração, mas de enorme relevância e conseqüências. Jânio Quadros renunciou à Presidência da República em 25 de agosto de 1961 – portanto há exatos cinqüenta anos hoje – e o vice-presidente João Goulart assumiu o cargo no dia 7 de setembro, com poderes limitados por um parlamentarismo aprovado às pressas pelo Congresso Nacional, exigência dos militares.

Eu era muito jovem, ainda, e fui destacado para trabalhar ao lado das grandes “feras” da redação do Diário àquele tempo: Remy Gorga Filho, Índio Vargas, Jotaká, João Paulo Trindade, Baltazar Prates, entre outros, sob o comando de Ernesto Corrêa e Nelson Dimas Filho, dois mestres de jornalismo. Dia e noite, durante esses 14 dias, nos revezávamos no plantão permanente do Palácio Piratini, trincheira de quantos se aliaram ao governador para defender a posse de Jango, contra a postura dos militares.

A atuação de Brizola foi decisiva. Não fosse ele e sua cadeia da Legalidade, comandada pela Rádio Guaíba -confiscada para isso e depois indenizada, assim como outras emissoras que formaram a cadeia – e Jango certamente não teria chegado ao poder. A maioria dos militares tentou impedir a posse de Jango – então em viagem à China, para onde Jânio Quadros o havia enviado – sob o pretexto de que ele significava a implantação de um regime comunista no Brasil.

Até o momento em que o general Machado Lopes, comandante do III Exército aderiu ao movimento de Brizola, assegurando a vitória da Legalidade, tudo era dúvida e incerteza. Para mim, estar ali no Palácio, naquelas circunstâncias, foi o verdadeiro “batismo de fogo”.

Com uma passagem inesquecível: ao ingressarmos no Piratini, certo dia, oficiais da Casa Militar entregaram a todos os jornalistas revólveres 38. Passado o movimento da Legalidade, recebi, na redação, um telefonema do Palácio, solicitando que devolvesse a arma. Foi o que fiz, ao contrário de muitos colegas que a guardaram como relíquia.

Esse ano de 1961 foi especialmente significativo na minha carreira por outra razão. No último trimestre, venci o Concurso de Reportagens sobre a Feira do Livro, então patrocinado pela Câmara Rio-grandense do Livro e Associação Rio-grandense de Imprensa. O prêmio era constituído de livros e um cheque de 15 mil cruzeiros (menos de dois salários mínimos da época).

A notícia chegou à redação e Dimas Filho logo proclamou: vamos comemorar. E naquela madrugada foi-se quase todo o valor do prêmio. Paguei 12.500 cruzeiros pelas rodadas de chopes e “frigideiras” (uma fritada de presunto, ovos e queijo).

Assim fazíamos o jornal há meio século: éramos jovens, boêmios, destemidos. E aprendi, naquele momento, uma lição essencial: jornalismo se faz com talento e coração.

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