Armadilhas à espera do pesquisador

Sentinela do Sul é um pequeno município com pouco mais de cinco mil habitantes e se localiza a cerca de cem quilômetros de Porto Alegre. Seguindo pela BR-290, em direção à zona sul do Estado, entra-se à direita. À esquerda, Tapes.

Estive lá há poucos dias. Fui participar de um encontro promovido pela Prefeitura Municipal, reunindo quase duas centenas de professores de municípios que formam a chamada Costa Doce da Lagoa dos Patos.

O título do simpósio é Ler e escrever: cultivando a arte de pensar. Através de palestras e debates, durante 40 horas, profissionais de diversas áreas humanas trocam experiências e ideias com integrantes do magistério do município e do Estado.

Convenhamos que não é comum uma iniciativa desse nível, mesmo em comunidades de maior porte e recursos mais expressivos.

Cumprimentos, por isso, à administração municipal.

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Um dos questionamentos que me foram feitos é sobre as dificuldades de se chegar à veracidade de reconstituições históricas.

Bela pergunta.

Sim, respondi, há que se ter extremo cuidado, porque são perigosas as armadilhas que inevitavelmente o pesquisador terá que superar, antes de chegar à verdade verdadeira.

Uma das fontes mais complexas é aquela que, para muitos, haveria de ser plena de confiança: o testemunho pessoal dos personagens de cada história e de cada biografia.

O entrevistado, regra geral, tende a supervalorizar sua participação em determinado episódio. E há que se ter, por isso, paciência para ouvir longos relatos pessoais e extrair deles o que efetivamente importa.

E, quando se trata de biografia, a tendência compreensível dos amigos do personagem é enaltecê-lo, por suas tantas virtudes, além de não encontrar nele qualquer pecado.

Há, também, aquele que, na ânsia de aparecer, falte com a verdade, simplesmente.

No livro Diário de Notícias, o romance de um jornal, narro, entre outros, episódio ocorrido com o jornalista Índio Vargas, numa viagem de cunho pessoal ao Rio de Janeiro. Para isso, valeu-se de passagem cortesia da VARIG, obtida junto a seu amigo Favorino Mércio, então Sub-chefe da Casa Civil.

No momento de retornar, a funcionária da companhia aérea pediu a ele a carteira de identidade e veio então o pavor. A passagem estava em nome de Favorino.

Índio alegou ter perdido os documentos mas a moça foi inflexível: sem comprovação, nada de embarque.

Salvou-o Assis Chateaubriand. O safado e todo-poderoso comandante dos Diários Associados ouviu o repórter da sua empresa e, rindo, em altos brados, proclamou:

- Então, você quer que eu minta. Nunca fiz isso em minha vida.

E determinou a um dos assessores que resolvesse o problema junto à VARIG do seu amigo Rubem Berta.

Ocorre que ouvi essa mesma história, contada por outro grande jornalista gaúcho, já falecido, como tendo ocorrido com ele o episódio.

Não, não são fáceis os caminhos do pesquisador.

 

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