DECORO QUEBRADO

O senador Demóstenes Torres assinou a sua condenação na Comissão de Ética quando admitiu ter recebido de Carlinhos Cachoeira um aparelho radiotelefônico Nextel e confirmando que a conta mensal era paga pelo contraventor. O valor do uso do aparelho era “uns 50 ou 60 reais por mês”, disse Demóstenes.

O decoro parlamentar tem regras bem objetivas, as quais quando desrespeitadas são as provas para um processo de cassação do mandato. Uma delas diz que “fere o decoro parlamentar, o recebimento de vantagens indevidas”. Não há nessas regras e no item “vantagens indevidas” valores que balizam tal comportamento.

E por que quando elas foram estabelecidas não se fixou uma tabela de preços para as “vantagens indevidas”? Por uma razão óbvia: porque decoro parlamentar é uma questão ética e não uma questão de preço. Se existisse uma tabela progressiva, como “vantagens recebidas por um parlamentar até R$ 10 mil não serão consideradas como quebra de decoro parlamentar”, Demóstenes estaria justificado. Mas ela não existe…

No Brasil, provavelmente, todos os dias o decoro parlamentar é quebrado no item “vantagens indevidas”, seja por vereadores, deputados estaduais, federais e/ou senadores. Sempre há alguém pagando almoços, jantares, festas, viagens de jatinho e sempre há um político recebendo o “benefício”.

Talvez por isso mesmo o senador Demóstenes Torres não viu no aparelho Nextel e na conta mensal de “50 ou 60 reais” o decoro parlamentar ferido mortalmente. Mas houve sim a quebra de decoro e Demóstenes sabe, mais do que qualquer outro senador, que decoro parlamentar não deveria ter uma referência financeira, mas um referencial ético.

É antológico o encontro de Bernard Shaw com uma madame da alta sociedade britânica quando se discutia a prostituição (mas podia ser decoro parlamentar). A concordância do grupo era que se podia fazer qualquer coisa por dinheiro desde que o valor fosse alto o suficiente para ser justificável.

- Isso não é possível. Certamente que não! – disse uma bela mulher que participava da discussão.

- É possível, sim! – insistiu Shaw. Por exemplo, você dormiria comigo por um milhão de libras esterlinas?

- Bem, talvez, por um milhão de libras… Eu dormiria…

- E você faria isso por dez xelins? – disse Shaw, reconsiderando a primeira proposta feira à madame.

- Certamente que não! O que você acha que eu sou? Uma prostituta? – respondeu a senhora cheia de indignação.

- Isso nós já estabelecemos. Agora estamos tentando apenas chegar ao seu preço – disse Bernard Shaw acabando com a discussão.

Demóstenes Torres, ao receber um telefone Nextel nivelou por baixo a tabela de preço do decoro parlamentar. E talvez seja condenado na Comissão de Ética por esse detalhe, ressaltado pelo senador Randolfe Rodrigues, do PSOL.

MISTÉRIO ÉTICO (1)

O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, advogado de Carlinhos Cachoeira sabe, melhor do que todos nós, que o contraventor por sua declaração de renda não tem R$ 15 milhões em nenhuma conta bancária em seu nome.

MISTÉRIO ÉTICO (2)

Se Carlinhos Cachoeira não tem “dinheiro limpo” naquele valor da causa de sua defesa, não fica óbvio que o pagamento sairá de alguma “lavanderia” ou de algum “laranjal”? Não teria, então, essa importância uma origem criminosa, dessas que Marcio Thomaz Bastos mandava a Polícia Federal investigar quando era ministro da Justiça?

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