O ENIGMA MANUELA

A deputada federal Manuela D’Ávila vai disputar a eleição municipal deste ano, em Porto Alegre, com toda a legitimidade que a democracia garante e que o seu partido, o PCdoB, negaria a outros partidos se pudesse ter o controle do processo democrático, isto é, maioria parlamentar suficiente para modificar as estruturas econômicas e sociais do Brasil.

A afirmação sobre as intenções políticas do PCdoB não é do colunista, mas do Programa Socialista para o Brasil”, publicado em novembro de 2009 e à disposição dos internautas no site do partido. Está lá no item 27: “Por surgir das entranhas do modo de produção capitalista e das suas instituições, a transição para a nova sociedade ainda terá uma economia mista, heterogênea, com múltiplas formas de propriedade estatal, pública, privada, mista, incluindo vários tipos de empreendimentos, como as cooperativas. Poderá contar com a existência de formas de capitalismo de Estado, e com o mercado, regulados pelo novo Poder. Todavia, progressivamente devem prevalecer as formas de propriedade social sobre os principais meios de produção.”

Então, qual é o enigma da deputada Manuela D’Ávila se o seu partido bate de frente com outro programa, o do PP, cuja liderança inconteste da senadora Ana Amélia Lemos costura uma aliança para a eleição majoritária de Porto Alegre? Simples: como administrar a mistura da água com o azeite num copo d’água? Água e azeite só se completam numa receita culinária onde a criatividade do cozinheiro lhe dá tais concessões. A aliança (ainda incerta) PCdoB-PP é uma receita à espera de um gourmê.

Na política só de admite uma aliança PCdoB com o PP se um objetivo maior estivesse em jogo, como foi o caso da eleição de Tancredo Neves pondo fim ao regime militar, o vice José Sarney tomando posse (pela doença de Tancredo) e sendo saudado como um herói pelos comunistas que agitavam suas bandeiras no dia da posse. Acabava um ciclo onde a democracia estivera de recesso.

Na plenitude do processo democrático, os verdadeiros partidos políticos só buscam alianças quando há convergência doutrinária para a manutenção da própria democracia que se sustenta sobre as bases da livre iniciativa, multipartidarismo, imprensa sem censura e com os três poderes constitucionais atuando com absoluta independência.

Ora, não é exatamente o que querem os comunistas que, por se considerarem internacionalistas, continuam acreditando que: “O Partido Comunista do Brasil – organização política de vanguarda da classe operária e do povo trabalhador, apoiada na teoria revolucionária marxista-leninista – empenha-se em conjunto com outras organizações e lideranças políticas avançadas, pela vitória do empreendimento revolucionário.”

Os defensores da aliança PCdoB-PP argumentam que depois da queda do Muro de Berlim o conflito ideológico esquerda-direita arrefeceu com a vitória do capitalismo sobre o socialismo e/ou comunismo. Dá para imaginar um debate da deputada Manuela D’Àvila em entidades empresariais defendendo a doutrina do PCdoB e pedindo votos aos presentes?

Já seria completamente diferente se o encontro fosse numa “comunidade” ou num centro acadêmico. Com empresários haveria um clima tenso se a palestrante defendesse o controle estatal pelos meios de produção, conforme o programa comunista. No segundo, aplausos demorados por que a idéia de dividir o que é dos outros sempre é fascinante e empolgante.

Troquem as palestrantes. A senadora Ana Amélia seria contestada pelos empresários com um debate interessante motivado pela estranha aliança com os inimigos da iniciativa privada. Já na “comunidade” ou num centro acadêmico, provavelmente, a senadora teria dificuldade em explicar a doutrina do PP. Assim como terão ambas quando a campanha eleitoral começar.

Em qualquer situação, no entanto, tais alianças e debates só podem ocorrer num sistema democrático. A coluna espera, sinceramente, que essas duas excepcionais lideranças femininas gaúchas consigam seus objetivos e se façam compreender aos seus diferenciados eleitores que pensam de maneira tão oposta.

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