O fascínio de fazer jornal

Só agora acaba de ser conhecido um documento que deveria ter sido publicado no dia 25 de novembro de 1939, no jornal “Le Soir Républicain”, editado em Argel.

O autor é nada menos do que Albert Camus, um dos maiores intelectuais da França, Nobel de Literatura de 1957.

No manifesto, divulgado há menos de um mês pelo “Le Monde”, depois de comprovada sua autenticidade pela família de Camus, o autor do romance “O Estrangeiro” propõe uma análise sobre a liberdade de imprensa em termos individuais e formula quatro recursos de que o jornalista deve lançar mão para manter-se livre mesmo sob censura: a lucidez, a recusa, a ironia e a obstinação.

O texto foi escrito em plena guerra e a ironia de Camus começa pelo primeiro parágrafo:

É difícil, hoje em dia, evocar a liberdade de imprensa sem ser tachado de extravagante, acusado de ser Mata Hari, sem ser convencido de ser sobrinho de Stálin”.

E, logo depois:

No entanto, essa liberdade, entre outras, é só um dos rostos da liberdade pura e simples, e nossa obstinação em defendê-la será compreendida se houver boa vontade para admitir que não há outra maneira de vencer de fato a guerra.”

Absolutamente preciso, Camus diz, mais adiante:

O fato de que, a esse respeito, um jornal dependa do humor ou da competência de um homem demonstra melhor do que qualquer outra coisa o grau de inconsciência a que chegamos”.

Jornalistas que vivenciaram de perto, mais recentemente, no Brasil, a truculência e as bobagens de certos censores, sabem bem o quanto é muitas vezes ridículo o papel por eles exercido.

Nem sempre dotados de inteligência, foram muitas vezes ludibriados com facilidade.

De qualquer forma, ficava-se sempre à mercê “do humor ou da competência” do censor de plantão.

Vamos de novo a Camus. Sobre a recusa:

Em face da maré de besteiras, é preciso igualmente opor algumas recusas… Ora, por menos que conheçamos o mecanismo das informações, é fácil nos assegurarmos da autenticidade de uma notícia. É a isso que um jornalista livre deve dedicar a sua atenção. Pois, se ele não pode dizer o que pensa, pode não dizer o que não pensa ou o que acredita ser falso. E é assim que se mede um jornal livre: tanto pelo que diz como pelo que não diz”.

E sobre obstinação:

É preciso reconhecer que há obstáculos desencorajadores: a constância na tolice, a covardia organizada, a ininteligência agressiva – e por aí vai. Eis o grande obstáculo sobre o qual é preciso triunfar. A obstinação é aqui uma virtude cardeal.”

O pensamento de Camus nunca perdeu atualidade.

É mesmo fascinante o exercício da profissão jornalística.

O profissional precisa ser lúcido para distinguir e resistir aos movimentos de ódio e recusar as provocações daqueles que não são capazes de enxergar a realidade.

A ironia é sabidamente uma das melhores armas de que podemos nos valer. E sempre renovo para mim mesmo a melhor definição que conheço sobre o a essência do exercício da profissão: buscar a versão mais próxima da verdade.

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