João Lee

João Lee é um sujeito alegre, festivo, gosta de praticar esportes e viajar.

Solteiro, funcionário de uma empresa estatal, filho único, perdeu seu pai e sua mãe e está agora, como se diz, sozinho no mundo. Em suas férias, costuma viajar pelo País e às vezes pelo Exterior. Nesta temporada veio conhecer a Argentina e esquiar em Bariloche pela primeira vez.

Agora o encontramos sentado num banco da Praça de Maio, na Capital argentina, ouvindo no seu MP3 aquela bonita canção de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber “Não Chores por Mim, Argentina” (Don’t Cry for Me, Argentina) cantada por Madonna em homenagem à imortal Evita e admirando o passeio público e seus monumentos, inclusive a Casa Rosada, do outro lado da ‘calle’, quando se aproxima dele uma senhora idosa, toda vestida de negro, com um lenço também negro na cabeça, apoiando-se num bastão. “Uma mendiga …”, pensa Lee, enquanto procura nos bolsos alguma moeda. A velhinha pára, apóia-se no bastão, e lhe pergunta:

– Você é João Lee, não é verdade?

– Sim … A senhora me conhece?

– Claro, como não vou conhecer … Você é filho do Lulo e da

Lilian, nasceu numa cidadezinha no sul do Brasil chamada Feliz, é funcionário de alto nível daquela empresa estatal que você muito bem conhece, desfruta de um merecido prestígio e de uma excelente situação financeira e agora, antes de ir a Bariloche, está visitando a capital portenha, justamente sentado num banco desta praça onde tantas mães têm vindo chorar a morte de seus filhos …

E o que mais a senhora sabe a meu respeito?

Bem, eu sei que você tem 48 anos, 8 meses, 6 dias, 4 horas e alguns minutos. Faz exatamente esse tempo que o presidente americano John Kennedy foi assassinado por um sujeito chamado Lee Oswald. E você tem o nome dos dois. É solteiro e não tem namorada. Porém uma colega de trabalho gosta muito de você …

– Ah, sim. A Narcisa …

– Sim, a Narcisa. Não imagina como aquela moça gosta de você. Se não fosse tão desligado, poderiam ter vivido um lindo romance. Mas isso agora não importa. Como eu dizia, você é um rapaz solteiro e sem compromissos afetivos. Não pretende casar porque adora viajar e acredita que o casamento atrapalharia a sua liberdade. De qualquer modo, já é tarde demais… Aliás, é tarde para realizar qualquer novo projeto em sua vida. E vou lhe dizer: Você não concluirá o seu passeio de férias, não voltará, como planejou, para a sua terra, nem para sua empresa, nem para Narcisa.

João Lee sorri e pergunta:

– E como a senhora sabe de todas essas coisas? É por acaso uma cigana ou vidente, uma bruxa ou uma daquelas mães da Praça de Maio?

Do outro lado da praça, a quinhentos metros dali, alguém aponta o cano longo e fino de sua Mauser para fora da janela …

A velhinha olha para cima, olfateia o ar e responde:

– Não, meu filho. Não sou nem uma coisa nem outra. Sou apenas muito velha …

João Lee é atingido na cabeça.

 

Luciano Machado

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