O NAVIO E O BBB

Vejam se não têm algo em comum as deprimentes imagens do navio emborcado na Itália e do edredom do BBB, os dois assuntos que dominam todas as conversas nos últimos dias. Até o tom esverdeado do vídeo mostrando os movimentos do “edredom do estupro” sugere que o casal está no fundo do mar.

Ninguém mais fala de outra coisa, nem do caso da imensa barriga da mulher de Taubaté apresentada pela imprensa como futura mãe de quadrigêmeos e que, segundo seu médico, não está grávida. O mundo está ficando muito louco para o meu gosto, difícil mesmo de entender.

Por mais que você tente evitar, não tem jeito. É impossível ficar indiferente ao caso do suposto estupro ao vivo no “reality show” chamado Big Brother Brasil, na verdade um “fake show”, e às revelações sobre as causas e o triste papel do comandante do pior acidente da navegação mundial nos últimos muitos anos.

Na Itália, já foram contados 11 mortos e ainda há 24 desaparecidos; no Brasil, não morreu ninguém, a não ser a reputação de algumas pessoas que fazem qualquer coisa por grana, fama ou audiência, se possível tudo junto.Quando vai ver, você já está no meio de uma discussão sem fim sobre as misérias e os limites da natureza humana.

A absoluta falta de senso de ridículo e de amor próprio move desde sempre estes infelizes alegres que expõem seus corpos e sua pobreza mental ao vivo na televisão. Até aí, faz parte do jogo, quem entra na chuva é para se molhar.

Só não consigo entender o que pode levar o comandante do navio Costa Concordia, de 13 andares, com quase cinco mil pessoas a bordo, um dos maiores do mundo, a desviar da rota nas águas calmas do mar Mediterrâneo só para fazer umas gracinhas em volta da ilha de Giglio, onde nasceu o chefe dos garçons e mora um ex-comandante da companhia.Pior: depois da lambança, o comandante foi um dos primeiros a pular para um barco salva-vidas e chegar em terra firme.

Jamais alguém vai ouvir num programa do BBB, por mais “fake show” que seja, em qualquer novela ou filme de terror, um diálogo mais dramático do que o travado entre o comandante Francesco Schettino e o comandante da Capitania dos Portos de Livorno, Gregorio de Falco, quando o navio começou a afundar.

Na Globo, as cenas do edredom na TV aberta foram editadas, depois apagadas na TV paga, mas a esta altura as imagens já estavam circulando nos Youtubes e redes sociais da vida. No dia seguinte, as crianças puderam ver tudo nos celulares dos amigos.

Quando a polícia ameaçou entrar no caso, resolveram expulsar o fogoso rapaz da casa e chamaram os advogados da Globo. Depois de orientada, a moça supostamente embriagada e supostamente violentada sem perceber, deu diferentes versões e, enquanto autoridades e setores da sociedade mostravam indignação com o acontecido, a audiência do programa quase dobrava no momento em que o poeta popular Pedro “É o amor…” Bial dava as explicações oficiais da emissora sobre o episódio.

As figuras patéticas de Bial e de Boninho, o diretor do programa, ao tentar defender a casa do Projac dos ataques inimigos, lembraram as primeiras declarações do comandante Schettino ao falar com o comandante da Capitania dos Portos.

Após ser beneficiado com a prisão domiciliar pela juíza Valeria Montesarchio, na tarde de terça-feira, fiquei pensando o que será que o comandante Schettino contou ao chegar em casa olhando para a mulher e os filhos. Acusado de homicídio múltiplo culposo (sem intenção), naufrágio e abandono de navio, o comandante pode pegar até 15 anos de prisão.

E o que vai acontecer com os responsáveis pelo “fake show” que se chocou contra as rochas do que ainda nos resta de dignidade humana?Com tanto ócio, brothers & sisters permanentemente no cio, bebida farta e edredons para todos, estava na cara que um dia isto iria acontecer. A onipotência, a irresponsabilidade e a covardia acabam nisso. É triste.

O AUTOR

O texto acima é do colega Ricardo Kotscho, comentarista da Record News. Kotscho é um velho companheiro de jornalismo dos anos 70 quando trabalhávamos no jornal O Estado de S. Paulo. É dele a célebre reportagem sobre as mordomias de Brasília a qual começou quando Kotscho revirou a lata de lixo da casa de um ministro. Ele tem no seu currículo quatro Prêmios Esso de Jornalismo.

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