Meus sonhos e o Francesco trapalhão

Nunca imaginei que um comandante de navio italiano, esse incompetente e trapalhão Francesco Schettino, que não conheço pessoalmente, fosse complicar também a minha vida e o meu lazer.

Explico: gosto de navio, tenho gosto por cruzeiros no mar.

Já escrevi sobre o meu fascínio pelos rios, pelos trens e pelas fronteiras da minha infância.

Marcelino Ramos, onde nasci, está plantada às margens do rio Uruguai, na divisa com Santa Catarina. E no meu tempo de menino, aquela era a cidade da grande baldeação. Não existiam pontes rodoviárias. Ou se atravessava o rio, em balsas envelhecidas; ou se cruzava os céus, pela Varig. Restava o trem. E Marcelino Ramos era o ponto final dos caminhos de ferro do Rio Grande.

Todas as noites chegava o “noturno das dez”, um comboio de vagões puxados pela “Maria Fumaça” resfolegante, da então Viação Férrea do RGS. E lá eu estava sempre à sua espera, para recolher jornais e revistas jogados pelos homens de rostos esfumaçados do vagão dos Correios. Queria saber logo as notícias.

Na gare da estação, olhava extasiado para os homens e mulheres que trocavam um comboio por outro, este que os levaria para o centro do país, depois de atravessar a ponte de pilares de pedra e estrutura de ferro.

E ficava a devanear sobre as fantásticas aventuras que haveria de viver aquela pequena multidão de viajantes, depois de atravessar a fronteira. No meu imaginário, as mulheres eram todas fascinantemente lindas, em seus vestidos longos e chapéus sofisticados, tal qual as via no cinema.

E havia o rio.

Gigantesco rio, belo e caudaloso.

Nele aprendi a nadar e pescar as piabas e dourados que então existiam em abundância

Também aprendi a respeitá-lo.

Por que nos tempos de enchentes, quando chove aos borbotões nas cabeceiras, o rio sereno se transforma. A água chega aos solavancos, é assustador. Troveja, leva de roldão tudo o que está à sua frente. Mata.

Já a Beth nasceu em outra fronteira. São Borja é divisa com a Argentina, e o mesmo rio Uruguai é o que separa a cidade da vizinha Santo Tomé, província de Corrientes.

Se o rio também a encanta, ela tem, no entanto, enorme temor pelo poder de destruição da água. No rio ou no mar.

Não foi fácil, por isso, convencê-la a subir no Island Star para um cruzeiro tranquilo pela costa brasileira, há uns quatro anos atrás.

O enorme navio navegou sereno e ela agora já estava admitindo a hipótese de um cruzeiro pelas ilhas gregas.

Depois desse incrível naufrágio do Costa Concórdia e de assistir pela televisão as imagens do resgate dos passageiros, ela nem precisava dizer. Sei que só por um milagre vai admitir estar a bordo de um transatlântico outra vez.

O que me fez esse desastrado Francesco.

Além de tudo, abandonou o navio. É covarde.

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